27/09/2018

CIDADES IMPENITENTES

CIDADES IMPENITENTES


"Digo-vos, porém, que menos rigor haverá para a terra de Sodoma do que para vós." - (Mateus, 11:24)

Da mesma forma como os homens são submetidos a penosos resgates individuais, quando malbaratam o legado precioso que Deus lhes concedeu, as cidades também experimentam quedas e dores, quando não dão acolhida aos ensinamentos que, de um modo ou de outro, são proporcionados à sua população pelos mensageiros dos Céus.

As cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas em consequência dos seus inúmeros transviamentos. No entanto, segundo a própria expressão de Jesus Cristo, menos rigor haveria a elas no julgamento divino, do que para Corazin, Betsaida, Cafarnaum e Jerusalém, onde autênticos sinais foram dados pela sua interferência, sem que houvesse ocorrido o devido aproveitamento.

Jerusalém é o exemplo típico desta assertiva. A antiga capital Judeia teve a oportunidade de presenciar todos os fatos operados por Jesus Cristo: viu a cura de cegos, de paralíticos, de leprosos, a expulsão de Espíritos inferiores; ouviu a voz do tão esperado Messias; presenciou a apoteótica recepção que a população prestou ao Mestre, quando da sua chegada àquela cidade.

No entanto, nada lhe serviu de lição, o que levou Jesus a subir a um monte e exclamar, amargurado: Jerusalém, Jerusalém matas os profetas e apedrejas os enviados, quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo asas, e tu não o quiseste! Eis que a tua casa te ficará deserta. E verdade te digo que não mais me verás até que venhas a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor. (Lucas, 13:34-35)

Por reiteradas vezes, o Senhor insistiu para que a cidade e a nação voltassem em seus desatinos, em seus desvios, abandonando uma vida eivada de vaidade e orgulho. Muitos sábios e profetas desceram do Alto com essa finalidade. O próprio Jesus Cristo ali surgiu para complementar a tarefa dos seus prepostos. Nada disso valeu. Consumou-se, então, no tocante a Israel, a parábola dos lavradores malvados:

Havia um homem, pai de família, que plantou uma vinha e cercou-a com sebe (tapume de ramos ou varas entretecidas), construiu nela um lagar, e edificou uma torre, e arrendou-a a uns lavradores, depois se ausentou do país.

Ao tempo da colheita, enviou os seus servos aos lavradores, para receberem os frutos que lhe tocavam. E os lavradores, agarrando os servos, espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram. Enviou, novamente, outros servos em maior número do que os primeiros e trataram-nos do mesmo modo.

Por último, enviou-lhes o próprio filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; ora, matemo-lo e nos apoderaremos da sua herança. E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e o mataram. Quando, pois, vier o Senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Responderam-lhe: Fará perecer, horrivelmente, estes malvados, sua vinha a outros lavradores que lhe remetam os frutos dos tempos. (Mateus, 21:33-41)

O Senhor da vinha é Deus, os lavradores são os homens; os enviados que foram mortos, expulsos ou apedrejados foram os grandes missionários que vieram à Terra; o filho do Senhor da vinha é Jesus Cristo. Jerusalém apedrejou, expulsou e matou numerosos enviados de Deus; o Pai enviou-lhe o próprio Filho, e também este foi morto. Os homens se recusaram a produzir bons frutos e a retribuir a misericórdia infinita do Criador que lhes deu a Terra, com todas as possibilidades de produção.

A cidade de Jerusalém e todos os seus habitantes foram então tirados desse povo e entregues a um outro. Os filhos de Israel foram dispersos no ano 70 perdendo sua pátria e praticamente todo o seu patrimônio, e, da suntuosidade seu famoso Templo, não restou pedra sobre pedra. Cumpriu-se, desta forma, o vaticínio de Jesus: "A Casa ficou realmente deserta." (Lucas, 13:35)

Esta parábola de Jesus, obviamente, não se aplica somente a Jerusalém, mas a muitas cidades e nações. Quando o Mestre obtemperou: Ai de ti Corazin, ai de ti Betsaida, o seu pensamento era de fazer distinção entre as cidades que recebem a palavra de Deus, e aquelas que não o fazem.

Para ilustração, mencionemos a população da cidade de Nínive, a qual, decidindo-se a ouvir as advertências do profeta Jonas e a se penitenciar dos seus desregramentos, evitou a própria destruição.

A maleabilidade que existe no seio de alguns povos, mais do que em outros, para a assimilação dos ensinamentos vindos do Alto, levou o Mestre a exclamar: Se em Tiro ou em Sidônia se tivessem operado os fatos maravilhosos que se produziram em Corazin, em Betsaida e em Cafarnaum, por certo elas há muito haviam mudado de roteiro.

O Espiritismo, através de suas obras fundamentais, esclarece que, da mesma forma como os homens são submetidos a resgates por causa dos seus transviamentos, as cidades também pagam alto preço pelas suas transgressões.

Quantas cidades e nações opulentas do passado não foram guindadas às posições mais culminantes e, posteriormente, quando o orgulho e a vaidade se haviam constituído em seu apanágio, não foram precipitadas às posições mais ínfimas? Foi o que sucedeu com Cafarnaum, conforme prognosticou Jesus Cristo: "Serás elevada até ao Céu e depois precipitada até o hades terrível da destruição e da dor."

A velha Grécia dos filósofos discutidores e falazes se impôs ao mundo paradigma de luz e poder, e depois caiu no ostracismo. Roma dominou o mundo, avassalando as nações e ostentando o cetro do orgulho e da prepotência, vendo, posteriormente, a própria derrocada, vítima dos próprios erros.

A velha Cartago não se contentou com a situação de proeminência que Deus lhe concedeu, e seu espírito expansionista ocasionou a sua destruição.

As tribos de Israel não se limitaram aos territórios que o Pai havia prometido a Abraão. Invadiram terras de outros povos, e o cativeiro, sob o tacão dos caldeus, dos babilônicos, dos egípcios e dos romanos, foi o choque de retorno. Suas cidades e suas preciosidades foram destruídas, e seu povo submetido a terríveis e prolongados cativeiros.

Quantas cidades são assoladas por cataclismos de toda espécie: incêndio, inundações, terremotos, maremotos, erupções de vulcões?

Os desígnios de Deus são sábios, e as grandes provações, as expiações que à primeira vista parecem aberrantes e ostensivas negações da misericórdia de Deus, são providenciais e eficientes meios de resgate coletivo de Espíritos pecaminosos. As destruições de cidades, os cataclismos, as inundações e outras formas de expiação coletiva são salutares advertências e, de modo geral, apresentam o reajuste de grandes aglomerados humanos que prevaricaram com seus deveres.

Paulo A. Godoy