CIDADES IMPENITENTES
"Digo-vos, porém, que menos rigor haverá para a terra de Sodoma do que para vós." - (Mateus, 11:24)
Da mesma forma como os homens são submetidos a penosos
resgates individuais, quando malbaratam o legado precioso que Deus lhes
concedeu, as cidades também experimentam quedas e dores, quando não dão
acolhida aos ensinamentos que, de um modo ou de outro, são proporcionados à sua
população pelos mensageiros dos Céus.
As cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas em consequência
dos seus inúmeros transviamentos. No entanto, segundo a própria expressão de
Jesus Cristo, menos rigor haveria a elas no julgamento divino, do que para Corazin,
Betsaida, Cafarnaum e Jerusalém, onde autênticos sinais foram dados pela sua
interferência, sem que houvesse ocorrido o devido aproveitamento.
Jerusalém é o exemplo típico desta assertiva. A antiga
capital Judeia teve a oportunidade de presenciar todos os fatos operados por
Jesus Cristo: viu a cura de cegos, de paralíticos, de leprosos, a expulsão de
Espíritos inferiores; ouviu a voz do tão esperado Messias; presenciou a
apoteótica recepção que a população prestou ao Mestre, quando da sua chegada
àquela cidade.
No entanto, nada lhe serviu de lição, o que levou Jesus a
subir a um monte e exclamar, amargurado: Jerusalém, Jerusalém matas os profetas
e apedrejas os enviados, quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha
ajunta os seus pintinhos debaixo asas, e tu não o quiseste! Eis que a tua casa
te ficará deserta. E verdade te digo que não mais me verás até que venhas a
dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor. (Lucas, 13:34-35)
Por reiteradas vezes, o Senhor insistiu para que a cidade e
a nação voltassem em seus desatinos, em seus desvios, abandonando uma vida
eivada de vaidade e orgulho. Muitos sábios e profetas desceram do Alto com essa
finalidade. O próprio Jesus Cristo ali surgiu para complementar a tarefa dos
seus prepostos. Nada disso valeu. Consumou-se, então, no tocante a Israel, a
parábola dos lavradores malvados:
Havia um homem, pai de família, que plantou uma vinha e
cercou-a com sebe (tapume de ramos ou varas entretecidas), construiu nela um
lagar, e edificou uma torre, e arrendou-a a uns lavradores, depois se ausentou
do país.
Ao tempo da colheita, enviou os seus servos aos lavradores,
para receberem os frutos que lhe tocavam. E os lavradores, agarrando os servos,
espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram. Enviou, novamente, outros
servos em maior número do que os primeiros e trataram-nos do mesmo modo.
Por último, enviou-lhes o próprio filho, disseram entre si:
Este é o herdeiro; ora, matemo-lo e nos apoderaremos da sua herança. E, agarrando-o,
lançaram-no fora da vinha e o mataram. Quando, pois, vier o Senhor da vinha,
que fará àqueles lavradores? Responderam-lhe: Fará perecer, horrivelmente,
estes malvados, sua vinha a outros lavradores que lhe remetam os frutos dos
tempos. (Mateus, 21:33-41)
O Senhor da vinha é Deus, os lavradores são os homens; os
enviados que foram mortos, expulsos ou apedrejados foram os grandes
missionários que vieram à Terra; o filho do Senhor da vinha é Jesus Cristo.
Jerusalém apedrejou, expulsou e matou numerosos enviados de Deus; o Pai
enviou-lhe o próprio Filho, e também este foi morto. Os homens se recusaram a
produzir bons frutos e a retribuir a misericórdia infinita do Criador que lhes
deu a Terra, com todas as possibilidades de produção.
A cidade de Jerusalém e todos os seus habitantes foram então
tirados desse povo e entregues a um outro. Os filhos de Israel foram dispersos
no ano 70 perdendo sua pátria e praticamente todo o seu patrimônio, e, da
suntuosidade seu famoso Templo, não restou pedra sobre pedra. Cumpriu-se, desta
forma, o vaticínio de Jesus: "A Casa ficou realmente deserta."
(Lucas, 13:35)
Esta parábola de Jesus, obviamente, não se aplica somente a
Jerusalém, mas a muitas cidades e nações. Quando o Mestre obtemperou: Ai de ti
Corazin, ai de ti Betsaida, o seu pensamento era de fazer distinção entre as
cidades que recebem a palavra de Deus, e aquelas que não o fazem.
Para ilustração, mencionemos a população da cidade de
Nínive, a qual, decidindo-se a ouvir as advertências do profeta Jonas e a se
penitenciar dos seus desregramentos, evitou a própria destruição.
A maleabilidade que existe no seio de alguns povos, mais do
que em outros, para a assimilação dos ensinamentos vindos do Alto, levou o
Mestre a exclamar: Se em Tiro ou em Sidônia se tivessem operado os fatos
maravilhosos que se produziram em Corazin, em Betsaida e em Cafarnaum, por certo
elas há muito haviam mudado de roteiro.
O Espiritismo, através de suas obras fundamentais, esclarece
que, da mesma forma como os homens são submetidos a resgates por causa dos seus
transviamentos, as cidades também pagam alto preço pelas suas transgressões.
Quantas cidades e nações opulentas do passado não foram
guindadas às posições mais culminantes e, posteriormente, quando o orgulho e a
vaidade se haviam constituído em seu apanágio, não foram precipitadas às
posições mais ínfimas? Foi o que sucedeu com Cafarnaum, conforme prognosticou
Jesus Cristo: "Serás elevada até ao Céu e depois precipitada até o hades
terrível da destruição e da dor."
A velha Grécia dos filósofos discutidores e falazes se impôs
ao mundo paradigma de luz e poder, e depois caiu no ostracismo. Roma dominou o
mundo, avassalando as nações e ostentando o cetro do orgulho e da prepotência,
vendo, posteriormente, a própria derrocada, vítima dos próprios erros.
A velha Cartago não se contentou com a situação de
proeminência que Deus lhe concedeu, e seu espírito expansionista ocasionou a
sua destruição.
As tribos de Israel não se limitaram aos territórios que o
Pai havia prometido a Abraão. Invadiram terras de outros povos, e o cativeiro,
sob o tacão dos caldeus, dos babilônicos, dos egípcios e dos romanos, foi o
choque de retorno. Suas cidades e suas preciosidades foram destruídas, e seu
povo submetido a terríveis e prolongados cativeiros.
Quantas cidades são assoladas por cataclismos de toda
espécie: incêndio, inundações, terremotos, maremotos, erupções de vulcões?
Os desígnios de Deus são sábios, e as grandes provações, as
expiações que à primeira vista parecem aberrantes e ostensivas negações da
misericórdia de Deus, são providenciais e eficientes meios de resgate coletivo
de Espíritos pecaminosos. As destruições de cidades, os cataclismos, as
inundações e outras formas de expiação coletiva são salutares advertências e,
de modo geral, apresentam o reajuste de grandes aglomerados humanos que
prevaricaram com seus deveres.
Paulo A. Godoy