À MORTE
Anthero de Quental
I
Tu,
não és o Ser único, absoluto,
O’
Morte, que eu amei em outra era,
Quando
a meus olhos foste a primavera
Que encantava o
meu ser irresoluto.
Eu
amava o teu negro olhar de luto,
A
tua estranha forma de Quimera,
Deusa
da Liberdade então te crera,
E,
sorrindo, busquei-te resoluto.
Mas
como me enganei! Tu não me deste
O
descanso que tanto apetecia!
Do
sofrer nova forma ofereceste!
Atiraste-me
a nova gemonia,
Onde,
em lugar da luz que me acendeste,
Só a
Noite encontrei, que não tem Dia!
II
Tu
foste longos anos minha amada,
E o
sonho que meus sonos povoava;
A
mais linda ilusão que me embalava,
E a
etérea visão da minha Fada.
Tu
eras para mim, Moura encantada,
Que
nos meus devaneios tanto amava,
Do
teu mistério o fim eu procurava
Quando
busquei teus braços, Descarnada!
Via
em ti a esperança que sorria
À
minha vida triste, atribulada,
Como
a um viageiro o fim do dia
Sorri,
por ser o termo da jornada;
E
pela tua mão gelada eu cria
Entrar
na Paz, ou ir entrar no Nada.
III
Tudo foi ilusão
que se esvaiu!
Nem o Nada, nem
Paz, nem Liberdade!
Em vez de
repousada eternidade,
Eternidade em dor
de vez se abriu!
Foi
mais um belo sonho que fugiu
Pela sagrada
estrada da Verdade;
Volvendo-se em
amarga realidade
A esperança, que
doce me sorriu.
E
agora vou vivendo aqui, vergado
Ao
jugo de um tormento sonhado,
Que
no mundo, sequer nem vislumbrei,
Arrastando
o remorso desse engano
Em que por ti caí,
para meu dano,
Pedindo a paz ao
Deus que já neguei.
Pai, salva-me desta hora, mas para isto vim a
esta hora. – Jesus (João, 12:27)
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