04/06/2017

À MORTE

À MORTE
Anthero de Quental
I
Tu, não és o Ser único, absoluto,
O’ Morte, que eu amei em outra era,
Quando a meus olhos foste a primavera
Que encantava o meu ser irresoluto.

Eu amava o teu negro olhar de luto,
A tua estranha forma de Quimera,
Deusa da Liberdade então te crera,
E, sorrindo, busquei-te resoluto.

Mas como me enganei! Tu não me deste
O descanso que tanto apetecia!
Do sofrer nova forma ofereceste!

Atiraste-me a nova gemonia,
Onde, em lugar da luz que me acendeste,

Só a Noite encontrei, que não tem Dia!

II
Tu foste longos anos minha amada,
E o sonho que meus sonos povoava;
A mais linda ilusão que me embalava,
E a etérea visão da minha Fada.

Tu eras para mim, Moura encantada,
Que nos meus devaneios tanto amava,
Do teu mistério o fim eu procurava
Quando busquei teus braços, Descarnada!

Via em ti a esperança que sorria
À minha vida triste, atribulada,
Como a um viageiro o fim do dia

Sorri, por ser o termo da jornada;
E pela tua mão gelada eu cria
Entrar na Paz, ou ir entrar no Nada.

III
Tudo foi ilusão que se esvaiu!
Nem o Nada, nem Paz, nem Liberdade!
Em vez de repousada eternidade,
Eternidade em dor de vez se abriu!

            Foi mais um belo sonho que fugiu
Pela sagrada estrada da Verdade;
Volvendo-se em amarga realidade
A esperança, que doce me sorriu.

            E agora vou vivendo aqui, vergado
            Ao jugo de um tormento sonhado,
            Que no mundo, sequer nem vislumbrei,

            Arrastando o remorso desse engano
Em que por ti caí, para meu dano,
Pedindo a paz ao Deus que já neguei.



Pai, salva-me desta hora, mas para isto vim a esta hora. Jesus (João, 12:27)

Extraído de “do País da Luz 3” – psicografia de Fernando de Lacerda – FEB – 6ª edição (2003)