‘Ser humano é o que te torna herói’, diz criança em carta
para o irmão com síndrome rara, na PB
Publicado em 2 de junho de 2019
Paulo Fernando, de 11 anos, foi
premiado em concurso de cartas dos Correios com carta feita para o herói dele,
o irmão Pedro, de 4 anos, curado da Síndrome de West em maio deste ano.
Por Érica
Ribeiro*, G1 PB — Campina Grande
O paraibano Paulo Fernando Neto, de 11 anos, é admirador dos
heróis de histórias em quadrinhos. No entanto, existe um herói que acompanha de
perto, dentro de casa. Sem poderes, mas capaz de grandes feitos, Pedro, de 4
anos, curado da rara Síndrome de West há pouco menos de um mês, é o herói
favorito do irmão mais velho.
“Vejo em você, irmão, a força da fé de todas as religiões
unidas, e as histórias de quem, mesmo doente, não fugiu da luta. Ser humano é o
que te torna herói”, afirma Paulo, na carta.
A revelação da trajetória do "mocinho" dessa
história foi escrita em uma carta de quatro parágrafos, que levou o estudante
de uma escola de Campina Grande a ser premiado em 2º lugar na etapa estadual do
48º Concurso Internacional de Redação de Cartas, realizado pelos Correios.
A inspiração do jovem escritor veio ao acompanhar a batalha
travada pelo irmão mais novo, Pedro, que ele viu nascer e crescer. O menino foi
diagnosticado, aos oito meses, com esta forma rara de epilepsia, que leva à
desaceleração no desenvolvimento psicomotor da criança e causa
"espasmos".
“Você não tem a fama do Batman ou do Homem-Aranha, nunca
apareceu nos quadrinhos. Seu esconderijo é no coração de nossa família e no seu
sorriso simples”, diz trecho da carta feita por Paulo, para o irmão, Pedro.
A edição deste ano do Concurso Internacional de Redação de
Cartas pediu para que os participantes escrevessem algo para o herói deles.
Paulo conta que, para escrever a carta, pensou em muitos heróis, mas depois
percebeu que a história do irmão era a mais importante.
“Eu gosto de histórias em quadrinhos, mas eu também gosto de
livros que contam histórias reais, sabe, como biografias, e pra mim herói é
alguém que faz ou fez grandes feitos, então meu irmão é um herói, porque ele é
tão novinho e já conseguiu superar tanta coisa”, explica.
Um herói em casa
O herói de Paulo sempre esteve dentro de casa. Dividindo o
quarto. Compartilhando segredos. Como relata na carta, foi aos oito meses de
vida que veio o diagnóstico do irmão: Síndrome de West, uma forma de epilepsia.
Pedro, que ficava eufórico todas as vezes em que via o irmão, foi deixando de
sorrir e precisava agora iniciar um tratamento.
“Pedro nasceu normal, saudável e, então, por volta dos oito
meses, a gente descobriu a síndrome, porque ele passou a ter convulsões. Até
então, ele sorria muito, principalmente quando via o irmão, Paulo, aí eu fui
percebendo que tinha algo estranho. Levei pro pediatra, depois pra um
neurologista, e então constatamos”, lembra a mãe, Marília Ramos.
“Apenas sete anos separam o início da nossa existência, mas
eu acompanhei de perto o nascimento do meu herói. Pude acompanhar a melhora da
sua saúde, ver seus primeiros passos e suas tentativas de balbuciar o meu
nome”, escreveu o estudante para o irmão.
A maior vitória de todas
Paulo revela que fez a carta pensando em guardar e ler para
o irmão no futuro. Ele lembra a primeira vez que seu herói, hoje aos 4 anos,
aprendeu a falar. “Depois de descobrir a síndrome, ninguém acreditava que ele
ia aprender a falar e, quando ele conseguiu falar pela primeira vez, eu lembro
que foi no dia das mães, do ano passado, aí ele começou a dizer ‘mamãe’ e
depois ele já tava dizendo meu nome também”.
O estudante escreveu a carta para o irmão no dia 28 de
fevereiro de 2019, quando ainda tinha 10 anos. Hoje, com 11, ele recorda que as
histórias de outros heróis citadas por ele na carta foram contadas por um
primo, que foi quem o perguntou sobre qual herói ele iria escrever.
“Meu primo me contou sobre grandes heróis: homens que
cruzaram os oceanos e descobriram novas terras, mulheres cuja força derrubou o
machismo e líderes contra separação de todos os tipos. No entanto, Cristóvão
Colombo, Joana d’Arc e Martin Luther King não conquistaram a maior vitória de
todas. Nenhuma dessas pessoas conseguiu unir a nossa família como você, e serei
eternamente grato por isso”, escreveu Paulo na carta.
“O Fábio, meu primo, pediu pra que eu lembrasse de algum
herói para fazer a carta e eu ainda pensei em vários, mas depois cheguei à
conclusão que eu precisava escrever sobre o meu herói de verdade, o meu irmão
Pedro, porque heróis são aqueles que fazem grandes feitos, e ele fez”, comenta.
“As pessoas não presenciaram você, meu herói, crescer de
perto, nem as guerras que precisou vencer na sua infância inacabada, mas as
suas histórias são dignas do infinito”, diz Paulo na carta para o irmão.
Descoberta do 'inimigo' e luta pela vida
Ao descobrir que Pedro era portador da Síndrome de West, a
mãe, Marília, conta que levou o filho para Recife (PE), em busca de um
tratamento mais eficiente. “Aqui [em Campina Grande], mesmo depois de descobrir
a síndrome, eu não consegui uma boa assistência médica pro meu filho. Então,
após o diagnóstico, eu procurei um especialista e, apesar de todos falarem que
não tinha jeito, eu fui pra Recife buscar um tratamento mais de perto”.
Marília relata que, após descobrir a síndrome, Pedro, o
herói de Paulo, passou dois meses seguidos tendo espasmos musculares. E, então,
vieram as sessões de fisioterapia e a medicação diária, várias vezes ao dia.
“Foram dias que torcemos pra não viver novamente, meu filho tão pequeno tendo
que tomar tanto remédio, mas a gente sempre teve fé de que isso acabaria”,
recorda.
Para a alegria da família, a cura da síndrome de Pedro
aconteceu em maio deste ano. “O último remédio que ele tomou, desde que começou
o tratamento aos oito meses de vida, foi no dia das mães deste ano. Foi um dos
dias mais felizes das nossas vidas”, lembra a mãe, segurando as lágrimas.
Ainda conforme Marília, a cura da síndrome de Pedro só foi
possível porque a descoberta aconteceu cedo. “Como o diagnóstico dele foi no
início, mesmo o tratamento durando tanto tempo, a cura veio. E hoje a gente
aprendeu a dar mais valor às coisas simples da vida, sabe, então só temos que
agradecer a Deus por tudo”, comemora.
Vencida a principal batalha, a vida em família voltou à
normalidade. O encontro entre fã e herói voltou a ser barulhento e feliz. Em
casa, na escola, nos corredores, na vida. Paulo lê livros de aventura e ação e
Pedro está sempre ao lado, ouvindo as histórias. “Eu sou fã dele e ele é meu
fã. E quando estou brincando com meus amigos, ele fica com ciúmes, mas eu
sempre tento dar atenção a ele também”, conta Paulo.
“Quando eu li a carta que o Paulo fez pro Pedro eu me emocionei
muito, porque é tão simples e ao mesmo tempo tão real, sabe, tão verdadeiro, é
tudo que a gente viveu até aqui”, diz a mãe.
Carta em concurso dos Correios
Para o Concurso Internacional de Redação de Cartas 2019,
Paulo, que contou com a orientação da professora de português, Flávia Brito,
precisou passar primeiro por uma etapa escolar, em que o concurso foi realizado
entre os alunos de Escola Virgem de Lourdes. O estudante ficou em 1º lugar, o
que o levou para a etapa estadual da competição.
Paulo Fernando foi o único estudante de Campina Grande
premiado na edição 2019 do concurso, promovido anualmente pela União Postal
Universal (UPU), com o objetivo de incentivar a criatividade e melhorar os
conhecimentos linguísticos.
O estudante revela que, hoje, a família e os amigos pedem a
cópia da carta com a assinatura dele. “Eu ainda não sei o que quero ser quando
crescer, mas eu penso em escrever outras cartas e vou guardar essa que fiz pra
ler pro meu irmão no futuro”, conclui.
Síndrome de West
Conforme a neuropediatra Larissa Coutinho, médica em uma
clínica particular de Campina Grande, a síndrome de West é uma forma de
epilepsia infantil caracterizada por uma série de espasmos. Ela leva,
geralmente, a uma desaceleração no desenvolvimento psicomotor da criança.
“É uma síndrome eletroclínica que acontece em bebês de três
a seis meses, que causa na criança uma alteração de eletroencefalograma,
associada a um tipo específico de crise, que são chamados de espasmos”,
explica.
A médica explica que a Síndrome de West normalmente está
auxiliada a outra doença. “Às vezes, mesmo sem tratamento, ela pode
desaparecer. Mas, em alguns casos, se não for tratada, ela pode evoluir pra uma
síndrome de Lennox-Gastaut, por exemplo, que é a mais grave, ou pra outros tipos
de epilepsia, então depende muito de um atendimento precoce”.
Tratamento e cura para Síndrome de West
Conforme a médica, a síndrome é uma emergência neurológica.
“O tratamento é medicamentoso, o mais preconizado é um tratamento com
corticoide em altas doses ou um hormônio chamado ACTH, que age tratando essas
crises e medicações antiepiléticas, mas isso varia de caso em caso”, frisa.
“Esse tipo de crise é tão sutil e discreta, que a criança
normalmente não apresenta a crise epilética conhecida por todo mundo e aí a
família acha que pode ser cólica, infecção intestinal, de urina, porque a crise
é curta, tem casos que dura até um ou dois segundos, então é bem difícil de
perceber”, destaca Larissa Coutinho.
As causas da síndrome podem ser variadas e influenciam na
gravidade da doença. “Podem ser inúmeras causas, as mais comuns são escleroses
tuberosas, malformações cerebrais, alterações genética e hipóxia neonatal”,
salienta.
Em crianças de 3 a 6 meses, o ideal é se procurar um
neurologista pediátrico. “É importante, em quadros de atrasos de
desenvolvimento, procurar um neurologista para investigar a causa desse atraso
e poder avaliar se é de fato a Síndrome de West”, conclui.
*Sob supervisão de Taiguara Rangel
Leia a carta na íntegra
Xangai, 28 de fevereiro de 2019.
Querido irmão,
Gostaria de usar todas as saudações possíveis nesta carta,
mas, infelizmente, você não entenderia. Nem sequer fala. Na verdade, irmão,
você nos faz estar longe de todos os padrões em que poderíamos viver, e, mesmo
assim, permaneço feliz ao teu lado. O tempo nunca foi limite para o nosso amor…
Você não tem a forma do Batman ou do Homem-Aranha, nunca apareceu nos
quadrinhos. Seu esconderijo é no coração de nossa família e no seu sorriso
simples. Você também tem o coração enorme, irmão, esse é o motivo para ser meu
herói.”
Meu primo me contou sobre grandes heróis: homens que
cruzaram os oceanos e descobriram novas terras, mulheres cuja força derrubou o
machismo e líderes contra separação de todos os tipos. No entanto, Cristóvão
Colombo, Joana d’Arc e Martin Luther King não conquistaram a maior vitória de
todas. Nenhuma dessas pessoas conseguiu unir a nossa família como você, e serei
eternamente grato por isso. Embora você ainda seja jovem, sua batalha pela vida
começou aos oito meses. Foi nesse período que seu corpo tremia e eu tinha medo,
mas eu engolia o choro para não assustar ninguém. A médica deu o diagnóstico:
Síndrome de West. Até hoje não sei muito sobre a doença, o que sei é da luta
diária dos meus pais para pagarem os remédios necessários no seu passado,
presente e futuro. Os esforços do pequeno guerreiro nunca se esgotaram!
Apenas sete anos separam o início da nossa existência, mas
eu acompanhei de perto o nascimento do meu herói. Pude acompanhar a melhora da
sua saúde, ver seus primeiros passos e suas tentativas de balbuciar o meu nome.
As pessoas não presenciaram você, meu herói, crescer de perto, nem as guerras
que precisou vencer na sua infância inacabada, mas as suas histórias são dignas
do infinito. Reconheço que o mundo não está perdido. Anne Frank sempre acreditou
na bondade humana e eu creio na ternura de todo ser vivo. Assim como nela, vejo
em você, irmão, a força da fé de todas as religiões unidas, e as histórias de
quem, mesmo doente, não fugiu da luta. Ser humano é o que te torna herói.
Eu poderia escrever milhões de páginas para contar a todos
sobre os feitos de outras pessoas lembradas pela história, mas nada equivale ao
futuro, pois é nele que você e o amor estão. Escrevo essa carta pensando no
amanhã, e na cura do meu herói. Aqui guardo uma parte de mim e todo o carinho
de um garoto que salvará ainda mais pessoas, e fará o mundo sorrir. Acredite
nos seus sonhos, como acredito em você.
Com afeto,
O fã de um grande herói,
Yeshua.
Notícia publicada no
Portal G1, em 2 de junho de 2019.
Glória Alves** comenta
Começo nosso comentário com as palavras de Paulo, um menino
de 11 anos que comoveu o estado da Paraíba e todos nós que lemos a sua carta:
“pra mim herói é alguém que faz ou fez grandes feitos”.
Como o tema da Redação de Cartas tratava de heróis, Paulo
deveria escrever algo para o seu herói favorito. Ora, na concepção dele um
herói é aquela pessoa que faz ou fez grandes feitos relatados na história da
Humanidade, entretanto, ele tem um herói dentro de sua casa, seu irmão.
Escrever sobre o seu herói de verdade, seu irmão de 4 anos,
que na época lutava contra uma síndrome rara, a Síndrome de West. O
entendimento de Paulo é uma visão ampliada da vida, das lutas que todos nós
travamos no dia a dia. Paulo, tão jovem, uma criança, em sua simplicidade, conseguiu
perceber as nuances, as sutilezas das dores que acabrunhavam seu irmão, e
descobriu que no sofrimento também há uma luta pela sobrevivência: “meu irmão é
um herói, porque ele é tão novinho e já conseguiu superar tanta coisa”.
A superação pelo amor. Ah! A força do amor, essa energia
poderosa e que não temos a capacidade de medir sua grandeza, é de essência
divina, é força criadora que “levanta as energias alquebradas, e torna-se
essencial para a preservação da vida”.(1) Envolvidos numa atmosfera de amor, a
família de Paulo alimenta-se, envolve-se, contagiando-se, e dessa forma
aprendem a lidar com as dificuldades da enfermidade do filho mais novo vencendo
e superando os próprios limites pela força insuperável do amor.
O que vale nessa bela história não é julgarmos as causas
atuais ou anteriores dos sofrimentos de Pedro e da família, mas, sobretudo,
aprendermos ou reaprendermos que a família é a base fundamental da fraternidade
universal, é nela que vamos passo a passo nos desfazendo do egoísmo e do orgulho
que nos distancia uns dos outros, porque há de chegar um dia em que todos na
Terra estaremos vivendo o vero amor, a energia divina que está em nós,
destacando-se do Foco Central a irradiar-se e alcançando cada coração;
unindo-nos num só sentimento de fraternidade e amor, estaremos diante da
família universal.
Essa história, como muitas outras que já ouvimos e que
continuaremos a escutar ou ler, hoje nos chega através de uma criança, aliás
duas, pois uma é a ação e a outra superação; ensina-nos ou reaviva em nossa
mente que todos possuímos em gérmen a centelha desse fogo sagrado, o amor, a
essência divina.
Refletindo sobre essa história, me pergunto quem é o meu
herói. Quem são os nossos heróis? Quem elegemos como modelo a seguir, visto que
muitos de nós se espelham em homens e mulheres das mídias sociais, jovens que
copiam modelos em que inspiram sua vida e seu modo de ser. Atitudes
equivocadas, muitas vezes, que escolhidas como grandes verdades e que no final
das contas terminam como decepções ou em situações dolorosas para eles mesmos e
a família. Aparentam felicidade quando na realidade esses heróis são frágeis
seres humanos que só de aparência vivem.
Paulo, que na época da doença de Pedro tinha 10 anos de
idade, se inspirou no irmão de 4 anos, e viu nele a força e a coragem, um
guerreiro que valia e vale a pena seguir e imitar. Diz ele: “vejo em você,
irmão, a força da fé de todas as religiões unidas, e as histórias de quem,
mesmo doente, não fugiu da luta. Ser humano é o que te torna herói”, afirma
Paulo, em sua carta.
A força da fé de todas as religiões unidas. Paulo tem a
clarividência de quem tem a compreensão dos ensinamentos que o Guia e Modelo da
Humanidade terrestre, Jesus, nos deixou quando nos exorta a amarmo-nos uns aos
outros conforme Ele nos ama. “Todas as expressões religiosas nascidas do
Cristianismo se identificam pela seiva de amor do tronco que as congrega,
apesar dos erros humanos de seus expositores.”(2) “A religião é o sentimento
divino que prende o homem ao Criador. As religiões são organizações dos homens,
falíveis e imperfeitas como eles próprios.”(3)
Concluo com as palavras do Espírito Emmanuel: “No dia em que
a evolução dispensar o concurso de religiosos para a solução dos grandes
problemas educativos da alma do homem, a Humanidade inteira estará integrada na
religião, que é a própria verdade, encontrando-se unida a Deus, pela Fé e pela
Ciência então irmanadas.”(4)
“Ele não é um peso, ele é meu irmão. O bem-estar dele é a
minha preocupação. Ele não é nenhum fardo para aguentar.” Essa é a letra de uma
canção antiga, dizem que foi inspirada em uma história real, e que o grupo The
Hollies imortalizou. Assim como essa música inspirou muitas pessoas a praticar
o bem, que essa história de Pedro e Paulo nos inspire a nos olharmos com os
olhos do coração.
Referências bibliográficas:
(1) “Momentos Enriquecedores” - Espírito Joanna de Ângelis -
Divaldo Franco - O Poder do amor;
(2) “O Consolador” - Espírito Emmanuel - Chico Xavier - Q.
294;
(3) “Emmanuel” - Espírito Emmanuel - Chico Xavier - 1ª Parte
- Religião e Religiões;
(4) “Emmanuel” - Espírito Emmanuel - Chico Xavier - 1ª Parte
- Experiência que Fracassaria.