26/03/2020

    CERCAS

                                                                                                                        Maria Dolores

    Alma querida, escuta: 
    Em tuas horas lentas 
    De inquietação, insegurança e luta, 
    Amargura e cansaço, Ouvimos nós, noutros campos do Espaço, 
    As falas mudas que nos apresentas. 

    Muitas vezes, interrogas na oração 
    De espírito espantado e sofredor:
     – “Se tudo o que esperei foi sonho vão, 
    Por que amarei assim, sem ter amor? 
    Por que me consagrar a filhos que amo tanto, Se me ofertam por triste recompensa

    A incompreensão imensa 
    Que me encharca de pranto?
     Por que me dedicar com tanto empenho 
    Ao lar que me magoa 
    No qual ninguém anota as lágrimas que eu tenho 
    Nem considera a cruz que me agrilhoa?
     Que motivo me leva a entregar-me de todo 
    A certo coração que me espezinha 
    Que me cobre de lodo 

    Depois de ironizar a esperança que eu tinha?
     Que razão me conserva a consciência 
    Presa a determinado compromisso, 
    Se aqueles que mais amo na existência 
    Não querem saber disso”?

    Dói-nos ouvir, no Além, a angústia com que indagas, 
    Mostrando o coração aberto em chagas... 

    É um esposo distante, é uma esposa esquecida 
    Do trabalho de paz que abraçou para a vida, 
    É um filhinho doente, 
    Gradeado num leito merencório, 
    É um parente infeliz em sanatório, 
    É uma pessoa amiga a gritar-nos em rosto 
    Acusações sem base em vinagre e censura, 
    A fazer-nos enfermos de desgosto 
    Ou cansados de dor, às portas da loucura... 

    Inda que tudo isso te aconteça, 
    Não fujas, alma boa, 
    Tolera a quem te fira, ama, perdoa,
    Sem que a força do amor se te arrefeça. 

    Não fossem as prisões que nos guardam no mundo, 
    Duros grilhões, sem formas definidas, 
    Voltaríamos nós aos erros de outras vidas 

     Em delírio profundo... 

    A, prova que te oprime em ásperas refregas, 
    O peso enorme dos tormentos teus, 
    E a dor da obrigação nas cruzes que carregas 
    São as cercas de Deus. 

    Fonte: Do livro A Vida Conta. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.