31/03/2020

Olá amigos!
Ouçam abaixo um trecho do livro Ave Cristo.




"Ajoelhando-se diante de Quinto Celso que o contemplava, embevecidamente, o cego compreendeu que o fim havia chegado e rogou: 
— Meu filho, ensina-me a orar!... 
As chamas, porém, ganhavam o corpo do rapaz, a contorcer-se. 
Celso, contudo, reprimindo o próprio sofrimento, falou, calmo, banhado em paz: 
— Meu pai, façamos a prece de Jesus, que Blandina pronunciava!... 
Pai nosso que estás nos Céus... oremos em voz alta... 
As feras esfaimadas abocanhavam corpos e estracinhavam vísceras humanas, aqui e ali, mas, como se vivesse agora tão somente para a fé que o iluminava à última hora, Taciano, genuflexo, repetia a comovedora oração: 
— Pai nosso, que estás nos Céus, santificado seja o teu nome... Venha a nós o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores... não nos deixes cair em tentação e livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o Poder e a Glória para sempre!... Assim seja!... 
O romano convertido não mais ouviu a palavra do filho. 
A cabeça de Celso tombara para a frente, desgovernada... 
Taciano ia erguer a voz, quando patas irresistíveis rojaram-no ao saibro argenteado da arena. 
Turvou-se-lhe o cérebro, mas, em seguida ao choque rápido, qual se o Cristo lhe enviasse milagrosa claridade às pupilas mortas, recuperou a visão e identificou-se ao lado do seu próprio corpo, que jazia imóvel numa poça de areia sanguinolenta. 
Procurou Quinto Celso, mas, oh! divina felicidade!... Viu que do poste de martírio emergia. não o filho adotivo, mas seu próprio pai, Quinto Varro, que lhe estendia os braços, murmurando: 
— Taciano, meu filho, agora poderemos trabalhar, em louvor de Jesus, para sempre!... 
Deslumbrado, reparou que as almas dos heróis abandonavam os despojos, 212 envolvidas em túnicas de luz por entidades que mais se assemelhavam a formosos arcanjos aéreos. 
Beijou as mãos paternas como alguém que saciava saudades terrivelmente sofridas e tentava algo dizer, quando viu Blandina, Basílio, Lívia e Rufo, cantando de alegria no grupo de Espíritos venturosos em que formavam Corvino, Lucano, Hortênsia, Silvano e outros paladinos da fé, todos a lhe dirigirem sorrisos de confiança e de amor!. 
Por cima do corpo negro do anfiteatro, desafiando-lhe as trevas, centenas de almas radiantes seguravam lirial estandarte, em que brilhava a saudação tocante e sublime: 
— Ave, Cristo! os que vão viver para sempre te glorificam e saúdam! 

Deslumbrante caminho descerrara-se nos céus... 
Embriagado de júbilo, Quinto Varro colou o filho de encontro ao peito e, rodeado pela grande assembléia dos amigos, avançou para o alto, como um lutador vitorioso que conseguira subtrair ao pântano de sombra um diamante castigado pelos cinzéis da vida, para fazê-lo brilhar à plena luz... 
Cá em baixo, a crueldade gritava, em regozijo. 
A chusma delirava na contemplação de corpos incendidos, no sinistro banquete da carnificina e da morte, mas, ao longe, no firmamento ilimitado, cuja paz retratava o amor inalterável de Deus, as estrelas fulguravam, apontando aos homens de boa vontade glorioso porvir..."


Fonte: Livro Ave Cristo, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel.