Olá amigos!
Ouçam abaixo um trecho do livro Ave Cristo.
"Ajoelhando-se diante de Quinto Celso que o contemplava,
embevecidamente, o cego compreendeu que o fim havia chegado e rogou:
— Meu filho, ensina-me a orar!...
As chamas, porém, ganhavam o corpo do rapaz, a contorcer-se.
Celso, contudo, reprimindo o próprio sofrimento, falou, calmo, banhado em
paz:
— Meu pai, façamos a prece de Jesus, que Blandina pronunciava!...
Pai
nosso que estás nos Céus... oremos em voz alta...
As feras esfaimadas abocanhavam corpos e estracinhavam vísceras
humanas, aqui e ali, mas, como se vivesse agora tão somente para a fé que o
iluminava à última hora, Taciano, genuflexo, repetia a comovedora oração:
— Pai nosso, que estás nos Céus, santificado seja o teu nome... Venha a
nós o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu; o pão
nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa as nossas dívidas, assim como
perdoamos aos nossos devedores... não nos deixes cair em tentação e livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o Poder e a Glória para sempre!... Assim
seja!...
O romano convertido não mais ouviu a palavra do filho.
A cabeça de Celso tombara para a frente, desgovernada...
Taciano ia erguer a voz, quando patas irresistíveis rojaram-no ao saibro
argenteado da arena.
Turvou-se-lhe o cérebro, mas, em seguida ao choque rápido, qual se o
Cristo lhe enviasse milagrosa claridade às pupilas mortas, recuperou a visão e
identificou-se ao lado do seu próprio corpo, que jazia imóvel numa poça de
areia sanguinolenta.
Procurou Quinto Celso, mas, oh! divina felicidade!... Viu que do poste de
martírio emergia. não o filho adotivo, mas seu próprio pai, Quinto Varro, que lhe
estendia os braços, murmurando:
— Taciano, meu filho, agora poderemos trabalhar, em louvor de Jesus,
para sempre!...
Deslumbrado, reparou que as almas dos heróis abandonavam os despojos,
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envolvidas em túnicas de luz por entidades que mais se assemelhavam a
formosos arcanjos aéreos.
Beijou as mãos paternas como alguém que saciava saudades terrivelmente
sofridas e tentava algo dizer, quando viu Blandina, Basílio, Lívia e Rufo,
cantando de alegria no grupo de Espíritos venturosos em que formavam
Corvino, Lucano, Hortênsia, Silvano e outros paladinos da fé, todos a lhe
dirigirem sorrisos de confiança e de amor!.
Por cima do corpo negro do anfiteatro, desafiando-lhe as trevas, centenas
de almas radiantes seguravam lirial estandarte, em que brilhava a saudação
tocante e sublime:
— Ave, Cristo! os que vão viver para sempre te glorificam e saúdam!
Deslumbrante caminho descerrara-se nos céus...
Embriagado de júbilo, Quinto Varro colou o filho de encontro ao peito e,
rodeado pela grande assembléia dos amigos, avançou para o alto, como um
lutador vitorioso que conseguira subtrair ao pântano de sombra um diamante
castigado pelos cinzéis da vida, para fazê-lo brilhar à plena luz...
Cá em baixo, a crueldade gritava, em regozijo.
A chusma delirava na contemplação de corpos incendidos, no sinistro
banquete da carnificina e da morte, mas, ao longe, no firmamento ilimitado,
cuja paz retratava o amor inalterável de Deus, as estrelas fulguravam,
apontando aos homens de boa vontade glorioso porvir..."
Fonte: Livro Ave Cristo, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel.