Carta de Alfred Russel Wallace ao
editor do “Times”
“Senhor.
Apontado por muitos de vossos correspondentes como um dos homens de ciência que
creem no Espiritismo, seja-me permitido estabelecer, ligeiramente, as provas
sobre que se funda minha crença.
“Comecei minhas investigações há
cerca de oito anos, e considero circunstância feliz para mim que os fenômenos
maravilhosos fossem, nessa época, menos comuns e muito menos acessíveis que
hoje; isto me levou a experimentá-los em larga escala, na minha casa e em
companhia de amigos, nos quais podia confiar.
“Tive, assim, a satisfação de
demonstrar, com o auxílio de grande variedade de experiências rigorosas, a
existência de ruídos e movimentos que não
podem ser explicados por nenhuma causa física conhecida ou concebível.
“Assim, familiarizado com esses
fenômenos, cuja realidade não deixa a menor dúvida, estive em condições de
compará-los com as mais poderosas manifestações de médiuns de profissão e pude
reconhecer a identidade de causa entre uns e outros, em vista de semelhanças
não muito numerosas, mas bastante características.
“Consegui igualmente obter,
graças a paciente observação, provas certas da realidade de alguns fenômenos
dos mais curiosos, que me pareceram e ainda me parecem dos mais concludentes.
Os pormenores dessas experiências exigiriam um volume, mas talvez me fosse
permitido descrever sucintamente uma delas, pelas notas tomadas no momento, a
fim de mostrar, por um exemplo, como é possível evitar as fraudes de que o
observador paciente é vítima, muitas vezes, sem o suspeitar.
“Uma senhora que nunca vira um
desses fenômenos, pediu-nos, a minha irmã e a mim, que a acompanhássemos a um
médium de profissão, bem conhecido. Lá fomos um dia de verão. Depois de grande
número de movimentos e pancadas, como de hábito, nossa amiga perguntou se o
nome da pessoa falecida, com quem desejava comunicar-se, podia ser soletrado.
Sendo afirmativa a resposta, a senhora apontou, sucessivamente, as letras de um
alfabeto impresso, enquanto eu anotava as que correspondiam às três pancadas
afirmativas.
“Nem minha irmã nem eu
conhecíamos o nome que nossa amiga desejava saber, como ignorávamos o de seus
defuntos pais; não pronunciara ela o próprio nome e nunca havia visto o médium
antes.
“Descreverei exatamente o que se
passou, alterando, apenas o nome da família, por não ter autorização para
publicá-lo.
“As letras que notei foram: Y, R, N, E, H, N, O,
S, P, M, O, H, T.
“Pronunciadas as três primeiras letras, Y, R, N,
disse minha amiga: é contrassenso, seria melhor recomeçar. Justo nesse
instante, seu lápis estava na letra E, e as pancadas foram dadas. Veio-me uma
ideia (tinha lido um fato semelhante, sem ter sido nunca testemunha), e disse:
- “Peço que continue; penso saber o que isto quer dizer. ”
“Quando minha amiga acabou de
soletrar, apresentei-lhe o papel; que ela não viu sentido nenhum. Fiz uma
divisão depois da primeira letra H, e pedi à senhora que lesse as duas partes,
às avessas. Com grande espanto seu, surgiu, corretamente escrito, o nome Henry
Thompson, que era o de seu filho morto e de quem ela queria informações.
Justamente, por essa época, eu ouvira falar, à saciedade, da destreza
maravilhosa da médium no apanhar as letras do nome que os visitantes enganados
esperavam, apesar do cuidado que tinham em passar o lápis nas mesmas, com
perfeita regularidade.
“Essa experiência (de que
garanto a exata descrição feita no relato precedente), era e é a meu ver a
refutação completa de todas as explicações apresentadas até aqui sobre os meios
empregados para indicar, por pancadas, os nomes das pessoas falecidas.
“Sem dúvida, não espero que os
céticos, quer se ocupem ou não de ciência, aceitem tais fatos, de que poderia, aliás, citar grande número
de minha própria experiência, mas também, por seu lado, não devem eles
esperar que eu ou milhares de homens inteligentes, a quem foram dadas provas
assim irrecusáveis, lhes adotemos o curto e fácil modo de explicação. ”
“Permiti que faça, ainda,
algumas observações sobre as ideias falsas que grande número de homens de
ciência conceberam, no que toca à natureza destas pesquisas. Tomarei como
exemplo as cartas de vosso correspondente Dircks.
“Parece ele considerar como
argumento contra a realidade dessas manifestações, a impossibilidade de
produzi-las e mostra-las à vontade; outro argumento é o de que não podem ser
explicadas por nenhuma lei conhecida. Mas, nem a catalepsia, nem a queda das
pedras meteóricas, nem a hidrofobia podem ser produzidas quando se quer;
entretanto, são fatos. O primeiro foi algumas vezes simulado, o segundo negado
outrora e os sintomas do terceiro grandemente exagerados; por isso nenhum
desses fatos foi definitivamente admitido no domínio da ciência, e entretanto
ninguém se servirá desse argumento para recusar-se a deles ocupar-se.1
“Além disso, é estranho que um
homem de ciência motive sua recusa em examinar o Espiritismo, no estar este em oposição a todas as leis naturais conhecidas,
especialmente a da gravitação, e em contradição aberta com a química, a
fisiologia humana e a mecânica. Ora, os fatos, se são reais, dependem de
uma ou de muitas causas, capazes de dominar ou contrariar o efeito daquelas
diferentes forças, exatamente como elas contrariam ou dominam outras. Deveria
ser isto forte estímulo para levar um homem de ciência a examinar o caso.
Não pretendo o título de
verdadeiro homem de ciência; há muitos, entretanto, que merecem esse nome e que
não foram absolutamente considerados especialistas pelo vosso correspondente.
Julgo como tais o finado dr. Robert Chambers, o professor William Gregory, de
Edimburgo e o professor Hare, de Filadélfia, infelizmente mortos, bem como o
Dr. Guilly de Malvern, sábio médico, e o juiz Edmonds, um dos melhores
jurisconsultos da América, os quais fizeram as mais amplas pesquisas no
assunto. Todos esses vultos estavam não só convencidos da realidade dos fatos
maravilhosos, senão ainda que aceitavam a teoria do Espiritismo moderno, como a única que poderia englobar todos os
fenômenos e explica-los. Conheço também um fisiologista vivo, de elevada
posição, que é ao mesmo tempo hábil investigador e fervoroso crente.
“Para concluir (aviso a Bersot), posso dizer que, apesar de
ter ouvido falar em grande número de embustes, nunca os descobri; e se a maior
parte dos fenômenos extraordinários são burlas, só podem ser produzidos por
máquinas e aparelhos engenhosos, e estes ainda não foram descobertos. Não
exagero declarando que os principais fatos estão agora bem esclarecidos e são
tão fáceis de estudar como qualquer outro fenômeno excepcional da natureza,
cuja lei ainda não se conhece.
“São fatos de grande importância
estes para a interpretação da História, cheia de casos semelhantes, assim como para
estudo do princípio da vida e da inteligência sobre o qual as ciências físicas
lançam fraca e incerta luz. Creio firme, convincentemente, que cada ramo da
filosofia deve ser permitido, até que seja escrupulosamente examinado e tratado
como constituindo parte essencial dos fenômenos da natureza humana.
“Seu muito respeitador Alfredo R. Wallace. ”
1Isso foi escrito no século XIX; hoje todos esses fatos
são do domínio da Ciência.
Do livro O
Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne
Terceira Parte - Capítulo II - FEB – 5ª edição