28/08/2018

Gênese orgânica



Gênese orgânica

Tempo houve em que não existiam animais; logo, eles tiveram começo. Cada espécie foi aparecendo, à proporção que o globo adquiria as condições necessárias à existência delas. Isto é positivo. Como se formaram os primeiros indivíduos de cada espécie? Compreende-se que, existindo um primeiro casal, os indivíduos se multiplicaram. Mas, esse primeiro casal, donde saiu? É um desses mistérios que entendem com o princípio das coisas e sobre os quais apenas se podem formular hipóteses. A Ciência ainda não pode resolver o problema; pode, entretanto, pelo menos, encaminhá-lo para a solução.

É esta a questão primordial que se apresenta: cada espécie animal saiu de um casal primitivo ou de muitos casais criados, ou, se o preferirem, germinados simultaneamente em diversos lugares? Tudo, pois, concorre a provar que houve criação simultânea e múltipla dos primeiros casais de cada espécie animal e vegetal.

Sem falar do princípio inteligente, que é questão à parte, há, na matéria orgânica, um princípio especial, inapreensível e que ainda não pode ser definido: o princípio vital. Ativo no ser vivente, esse princípio se acha extinto no ser morto; mas nem por isso deixa de dar à substância propriedades que a distinguem das substâncias inorgânicas. A Química, que decompõe e recompõe a maior parte dos corpos inorgânicos, também conseguiu decompor os corpos orgânicos, porém, jamais chegou a reconstituir, sequer, uma folha morta, prova evidente de que há nestes últimos o que quer que seja, inexistente nos outros.

A atividade do princípio vital é alimentada durante a vida pela ação do funcionamento dos órgãos, do mesmo modo que o calor, pelo movimento de rotação de uma roda. Cessada aquela ação, por motivo da morte, o princípio vital se extingue, como o calor, quando a roda deixa de girar. Mas o efeito produzido por esse princípio sobre o estado molecular do corpo subsiste, mesmo depois dele extinto, como a carbonização da madeira subsiste à extinção do calor. Na análise dos corpos orgânicos, a Química encontra os elementos que os constituem: oxigênio, hidrogênio, azoto e carbono; mas não pode reconstituir aqueles corpos, porque, já não existindo a causa, não lhe é possível reproduzir o efeito, ao passo que possível lhe é reconstituir uma pedra.

Entre o reino vegetal e o reino animal, nenhuma delimitação há nitidamente marcada. Nos confins dos dois reinos estão os zoófitos ou animais-plantas, cujo nome indica que eles participam de um e outro: serve-lhes de traço de união.

Se se considerarem apenas os dois pontos extremos da cadeia, nenhuma analogia aparente haverá; mas, se se passar de um anel a outro sem solução de continuidade, chega-se, sem transição brusca, da planta aos animais vertebrados. Compreende-se então a possibilidade de que os animais de organização complexa não sejam mais do que uma transformação, ou, se quiserem, um desenvolvimento gradual, a princípio insensível, da espécie imediatamente inferior e, assim, sucessivamente, até o primitivo ser elementar. Ora, se a glande encerra em latência os elementos próprios à formação de uma árvore gigantesca, por que não se daria o mesmo do ácaro ao elefante?

Do ponto de vista corpóreo e puramente anatômico, o homem pertence à classe dos mamíferos, dos quais unicamente difere por alguns matizes na forma exterior. Quanto ao mais, a mesma composição de todos os animais, os mesmos órgãos, as mesmas funções e os mesmos modos de nutrição, de respiração, de secreção, de reprodução.

Ele nasce, vive e morre nas mesmas condições e, quando morre, seu corpo se decompõe, como tudo o que vive. Não há, em seu sangue, na sua carne, em seus ossos, um átomo diferente dos que se encontram no corpo dos animais. Como estes, ao morrer, o homem restitui à terra o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono que se haviam combinado para formá-lo; e esses elementos, por meio de novas combinações, vão formar outros corpos minerais, vegetais e animais. É tão grande a analogia que suas funções orgânicas são estudadas em certos animais, quando as experiências não podem ser feitas nele próprio.

Ainda que isso lhe fira o orgulho, tem o homem que se resignar a não ver no seu corpo material mais do que o último anel da animalidade na Terra. Aí está o inexorável argumento dos fatos, contra o qual seria inútil protestar.

Todavia, quanto mais o corpo diminui de valor aos seus olhos, tanto mais cresce de importância o princípio espiritual. Se o primeiro o nivela ao bruto, o segundo o eleva a incomensurável altura. Vemos o limite extremo do animal: não vemos o limite a que chegará o espírito do homem.

O materialismo pode por aí ver que o Espiritismo, longe de temer as descobertas da Ciência e o seu positivismo, lhe vai ao encontro e os provoca, por possuir a certeza de que o princípio espiritual, que tem existência própria, em nada pode com elas sofrer.

Pois bem! o Espiritismo, a loucura do século XIX, segundo os que se obstinam em permanecer na margem terrena, nos patenteia todo um mundo, mundo bem mais importante para o homem, do que a América, porquanto nem todos os homens vão à América, ao passo que todos, sem exceção de nenhum, vão ao dos Espíritos, fazendo incessantes travessias de um para o outro.

Galgado o ponto em que nos achamos com relação à Gênese, o materialismo se detém, enquanto o Espiritismo prossegue em suas pesquisas no domínio da Gênese espiritual.

A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo – A Gênese segundo o Espiritismo - Capítulo X (trechos escolhidos) – Allan Kardec – FEB – 53ª edição (2013)