Gênese orgânica
Tempo houve em
que não existiam animais; logo, eles tiveram começo. Cada espécie foi
aparecendo, à proporção que o globo adquiria as condições necessárias à
existência delas. Isto é positivo. Como se formaram os primeiros indivíduos de
cada espécie? Compreende-se que, existindo um primeiro casal, os indivíduos se
multiplicaram. Mas, esse primeiro casal, donde saiu? É um desses mistérios que
entendem com o princípio das coisas e sobre os quais apenas se podem formular
hipóteses. A Ciência ainda não pode resolver o problema; pode, entretanto, pelo
menos, encaminhá-lo para a solução.
É esta a
questão primordial que se apresenta: cada espécie animal saiu de um casal
primitivo ou de muitos casais criados, ou, se o preferirem, germinados
simultaneamente em diversos lugares? Tudo, pois, concorre a provar que houve
criação simultânea e múltipla dos primeiros casais de cada espécie animal e
vegetal.
Sem falar do
princípio inteligente, que é questão à parte, há, na matéria orgânica, um
princípio especial, inapreensível e que ainda não pode ser definido: o
princípio vital. Ativo no ser vivente, esse princípio se acha extinto no ser
morto; mas nem por isso deixa de dar à substância propriedades que a distinguem
das substâncias inorgânicas. A Química, que decompõe e recompõe a maior parte
dos corpos inorgânicos, também conseguiu decompor os corpos orgânicos, porém,
jamais chegou a reconstituir, sequer, uma folha morta, prova evidente de que há
nestes últimos o que quer que seja, inexistente nos outros.
A atividade do
princípio vital é alimentada durante a vida pela ação do funcionamento dos
órgãos, do mesmo modo que o calor, pelo movimento de rotação de uma roda.
Cessada aquela ação, por motivo da morte, o princípio vital se extingue, como o
calor, quando a roda deixa de girar. Mas o efeito produzido por esse princípio
sobre o estado molecular do corpo subsiste, mesmo depois dele extinto, como a
carbonização da madeira subsiste à extinção do calor. Na análise dos corpos orgânicos,
a Química encontra os elementos que os constituem: oxigênio, hidrogênio, azoto
e carbono; mas não pode reconstituir aqueles corpos, porque, já não existindo a
causa, não lhe é possível reproduzir o efeito, ao passo que possível lhe é
reconstituir uma pedra.
Entre o reino
vegetal e o reino animal, nenhuma delimitação há nitidamente marcada. Nos
confins dos dois reinos estão os zoófitos ou animais-plantas, cujo nome indica
que eles participam de um e outro: serve-lhes de traço de união.
Se se considerarem
apenas os dois pontos extremos da cadeia, nenhuma analogia aparente haverá;
mas, se se passar de um anel a outro sem solução de continuidade, chega-se, sem
transição brusca, da planta aos animais vertebrados. Compreende-se então a
possibilidade de que os animais de organização complexa não sejam mais do que
uma transformação, ou, se quiserem, um desenvolvimento gradual, a princípio
insensível, da espécie imediatamente inferior e, assim, sucessivamente, até o
primitivo ser elementar. Ora, se a glande encerra em latência os elementos
próprios à formação de uma árvore gigantesca, por que não se daria o mesmo do
ácaro ao elefante?
Do ponto de
vista corpóreo e puramente anatômico, o homem pertence à classe dos mamíferos,
dos quais unicamente difere por alguns matizes na forma exterior. Quanto ao
mais, a mesma composição de todos os animais, os mesmos órgãos, as mesmas
funções e os mesmos modos de nutrição, de respiração, de secreção, de
reprodução.
Ele nasce, vive
e morre nas mesmas condições e, quando morre, seu corpo se decompõe, como tudo
o que vive. Não há, em seu sangue, na sua carne, em seus ossos, um átomo
diferente dos que se encontram no corpo dos animais. Como estes, ao morrer, o
homem restitui à terra o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono que se
haviam combinado para formá-lo; e esses elementos, por meio de novas
combinações, vão formar outros corpos minerais, vegetais e animais. É tão
grande a analogia que suas funções orgânicas são estudadas em certos animais,
quando as experiências não podem ser feitas nele próprio.
Ainda que isso
lhe fira o orgulho, tem o homem que se resignar a não ver no seu corpo material
mais do que o último anel da animalidade na Terra. Aí está o inexorável
argumento dos fatos, contra o qual seria inútil protestar.
Todavia, quanto
mais o corpo diminui de valor aos seus olhos, tanto mais cresce de importância
o princípio espiritual. Se o primeiro o nivela ao bruto, o segundo o eleva a
incomensurável altura. Vemos o limite extremo do animal: não vemos o limite a
que chegará o espírito do homem.
O materialismo
pode por aí ver que o Espiritismo, longe de temer as descobertas da Ciência e o
seu positivismo, lhe vai ao encontro e os provoca, por possuir a certeza de que
o princípio espiritual, que tem existência própria, em nada pode com elas
sofrer.
Pois bem! o
Espiritismo, a loucura do século XIX, segundo os que se obstinam em permanecer
na margem terrena, nos patenteia todo um mundo, mundo bem mais importante para
o homem, do que a América, porquanto nem todos os homens vão à América, ao
passo que todos, sem exceção de nenhum, vão ao dos Espíritos, fazendo
incessantes travessias de um para o outro.
Galgado o ponto
em que nos achamos com relação à Gênese, o materialismo se detém, enquanto o
Espiritismo prossegue em suas pesquisas no domínio da Gênese espiritual.
A Gênese, os milagres e as predições
segundo o Espiritismo – A Gênese segundo o Espiritismo - Capítulo X (trechos
escolhidos) – Allan Kardec – FEB – 53ª edição (2013)