02/08/2018

“O Céu e o Inferno” de Allan Kardec - A Condessa Paula

Do livro “O Céu e o Inferno” de Allan Kardec

Espíritos felizes     -     A Condessa Paula


Era uma mulher jovem, bela, rica, de nascimento ilustre, segundo o mundo, e, além disso, um modelo completo de todas as qualidades do coração e do espírito. Ela morreu aos 36 anos, em 1851.
Era uma dessas pessoas das quais a oração fúnebre se resume nestas palavras, em todas as bocas: “Por que Deus retira tais pessoas tão cedo da Terra?” Felizes aqueles que assim fazem abençoar a sua memória! Era boa, suave e indulgente com todas as pessoas; estava sempre pronta para desculpar ou abrandar o mal, em lugar de agravá-lo; jamais a maledicência desonrou seus lábios. Sem desdém nem arrogância, ela tratava seus inferiores com uma benevolência em que nada havia da baixa familiaridade, e sem lhes ostentar ares de superioridade ou de uma proteção humilhante.

Compreendendo que as pessoas que vivem do seu trabalho não são como as que vivem de rendimentos, e que precisam do dinheiro que lhes é devido, seja por sua situação, seja para seu sustento, ela nunca atrasou um salário; a ideia de que qualquer um deles pudesse sofrer pela falta de um pagamento, por sua culpa, traria remorsos à sua consciência. Ela não era dessas pessoas que sempre encontram dinheiro para satisfazer suas fantasias, mas nunca o têm para pagar o que devem; não compreendia que, para um rico, pudesse ser de bom gosto possuir dívidas, e se sentiria humilhada se pudessem dizer que seus fornecedores eram obrigados a lhe conceder adiamentos. Assim, em sua morte, houve apenas lamentações e nenhuma reclamação.

Sua beneficência era inesgotável, mas não se tratava dessa beneficência oficial que se mostra diante de todo o mundo; nela a caridade era a do coração e não a da ostentação. Só Deus sabe as lágrimas que secou, os desesperos que acalmou, porque suas boas ações tinham por testemunhas apenas ela e os infelizes a quem socorria.

Sabia, principalmente, descobrir esses infortúnios ocultos, que são os mais dolorosos, e que socorria com a delicadeza que reergue o moral em lugar de rebaixá-lo.

Sua posição e as altas funções de seu marido sujeitavam-na à conservação e à organização da vida doméstica da qual ela não podia se livrar; porém, satisfazendo inteiramente as exigências da sua posição, sem mesquinhez colocava em sua tarefa uma ordem que, evitando desperdícios prejudiciais e despesas supérfluas, lhe permitia ser suficiente a metade do que custaria a outras pessoas, sem que o fizessem melhor.

Desse modo ela podia obter, da sua fortuna, uma parte maior para os necessitados. Separara um capital importante cujo rendimento era exclusivamente destinado a esse propósito, sagrado para ela, e considerava esse valor como de menos para gastar com a sua casa.


 Encontrara, assim, o meio de conciliar seus deveres com a sociedade e com o infortúnio.
Pode-se dizer que essa senhora era o retrato vivo da mulher caridosa, traçado em O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XIII. (N.A.)

Evocada, doze anos após sua morte, por um dos seus parentes iniciado no Espiritismo, a condessa Paula deu a seguinte comunicação em resposta a diversas perguntas que lhe foram feitas:
Extraímos dessa comunicação, cujo original está em língua alemã, as partes instrutivas para o o assunto que nos ocupa, suprimindo o que é apenas de interesse da família. (N.A.)

“Tendes razão, meu amigo, em pensar que sou feliz; efetivamente eu o sou, muito mais do que se pode exprimir, e, no entanto, ainda estou longe do último grau. Porém, eu estava entre os felizes da Terra, porque não me lembro de haver passado por um verdadeiro desgosto. Juventude, saúde, fortuna, homenagens, tive tudo o que constitui a felicidade entre vós; mas o que é essa felicidade junto daquela que se desfruta aqui? Que são as vossas festas mais suntuosas, onde se mostram os mais ricos adereços, perto dessas assembleias de espíritos resplandecentes de um brilho que vossa vista não poderia suportar, e que é o atributo da pureza? Que são vossos palácios e vossos salões dourados perto das moradas aéreas, dos vastos campos do Espaço matizados de cores que fariam o arco-íris empalidecer? Que são vossos passeios em vossos parques, perto dos percursos através da imensidade, mais rápidos que o relâmpago?

Que são vossos horizontes limitados e nebulosos, perto do espetáculo grandioso de mundos se movendo no Universo sem limites sob a poderosa mão do Altíssimo? Quanto vossos concertos, os mais melodiosos, são tristes e gritantes perto desta suave harmonia que faz vibrar os fluidos do éter e todas as fibras da alma? Quanto vossas maiores alegrias são tristes e insípidas perto da inefável sensação de felicidade que penetra incessantemente todo o nosso ser como um eflúvio benéfico, sem mistura de nenhuma inquietação, de nenhuma apreensão, de nenhum sofrimento? Aqui tudo respira o amor, a confiança, a sinceridade; por toda parte corações amantes, por toda parte amigos, em nenhum lugar invejosos e ciumentos. É assim o mundo onde estou, meu amigo, e onde infalivelmente chegareis seguindo o caminho reto. Entretanto, logo nos entediaríamos com uma felicidade uniforme; não acrediteis que a nossa seja isenta de peripécias; ela não é nem um concerto perpétuo, nem uma festa sem fim, nem uma beata contemplação durante a eternidade; não, ela é o movimento, é a vida, é a atividade! As ocupações, ainda que isentas de fadigas, trazem-lhe uma incessante variedade de aspectos e de emoções pelos mil incidentes que as semeiam. 

Cada um tem a sua missão a cumprir, seus protegidos para ajudar, amigos da Terra para visitar, mecanismos da Natureza para dirigir, almas sofredoras para consolar; vamos ou vimos, não de uma rua à outra, mas de um mundo ao outro; juntamo-nos, separamo-nos para tornarmos a nos unir em seguida; reunimo-nos sobre uma questão, comunicamos o que se fez e felicitamo-nos pelos sucessos obtidos; deliberamos, assistimo-nos reciprocamente nos casos difíceis; enfim, eu vos asseguro que ninguém tem tempo para se entediar por um segundo. Neste momento, a Terra é o nosso grande motivo de preocupação.  Quanto movimento entre os espíritos! Quantos grupos numerosos afluem à Terra para ajudar na sua transformação!  Poderíamos dizer uma nuvem de trabalhadores ocupados em desbastar uma floresta, sob o comando de chefes experientes; uns abatem as velhas árvores com o machado, arrancam as profundas raízes, outros limpam; estes estão cavando e semeando; aqueles, edificando a nova cidade sobre as ruínas carcomidas do velho mundo. Durante esse tempo, os chefes, em assembleia, formam conselho e enviam mensageiros, em todas as direções, para darem as suas ordens. A Terra deve ser regenerada em um determinado tempo; é preciso que os desígnios da Providência se realizem; é por isso que cada um está no trabalho. Não acrediteis que eu seja simples expectadora desse grande trabalho; eu teria vergonha de ficar inativa enquanto todo mundo trabalha; uma importante missão me foi confiada, e me esforço para desempenhá-la o melhor possível.

Não foi sem lutas que cheguei ao lugar que ocupo na vida espiritual; minha última existência, podeis acreditar, por mais meritória que ela vos pareça, não foi suficiente para isso. Durante várias existências passei pelas provas do trabalho e da miséria que eu havia escolhido voluntariamente para fortificar e depurar a minha alma. Tive a felicidade de sair vitoriosa dessas provas, mas ainda me restava uma para suportar, a mais perigosa de todas: a da fortuna e do bem-estar material, um bem-estar sem mistura de amargura; aí estava o perigo. Antes de tentá-la, quis me sentir bastante forte para não sucumbir. Deus levou em conta minhas boas intenções e concedeu-me a graça de me sustentar. Muitos outros espíritos, seduzidos pelas aparências, precipitaram-se ao escolhê-la; porém, infelizmente, muito fracos para resistirem ao perigo, as seduções triunfam da sua inexperiência. Trabalhadores, estive nas vossas condições; eu, a nobre dama, como vós ganhei o meu pão com o suor do meu rosto; suportei privações, sofri intempéries, e foi o que desenvolveu as forças viris da minha alma; sem isso provavelmente eu teria fracassado na minha última prova, o que me levaria bem para trás. Como eu, tereis também, por vossa vez, a prova da fortuna, mas não vos apresseis em pedi-la muito cedo; e vós, que sois ricos, tende sempre presente no pensamento que a verdadeira fortuna, a fortuna que  não há de perecer, não está sobre a Terra, e compreendei a que preço podeis merecer os benefícios do Todo-poderoso.

Paula, na Terra condessa de...”