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Ouçam abaixo o trecho do livro
Primícias do Reino
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O EXCELSO CANTO
Aquele junho estava ardente, mais do que nos anos anteriores.(11)
O dia longo murchava lentamente, abafado, enquanto o Sol,
semiescondido além dos picos altaneiros, incandescia as nuvens
vaporosas, que o vento arrastava no seu carro pulverizado de púrpura
e ouro.
A montanha, de suave aclive, terminava em largo platô salpicado
de árvores de pequeno porte, que ofereciam, no entanto, abrigo e
agasalho.
Desde cedo a multidão afluíra para ali, como atraída por
fascinante expectativa.
Eram galileus da região em redor: pescadores,
agricultores, gente simples e sofredora, sobrecarregada e aflita.
Eram
judeus chegados d’além Jordão, de Jerusalém, estrangeiros da Decápole.
Misturavam-se as vozes nos dialetos regionais e uniam-se
todos na mesma imensa curiosidade feita de expectação e desejo.
Esmagada pelos poderosos, experimentava invariavelmente o
desprezo da jactância e da presunção.
Amavam-se aquelas criaturas na sua dor e necessidade,
interdependiam-se.
Aquele Rabi, que os alentava, era o Rei aguardado há séculos,
carinhosamente esperado, que os libertaria do opróbrio e da
servidão...
Ouviram-No e O viram mais de uma vez, e constataram que
jamais alguém fizera o que Ele fazia ou falara como Ele falava.
Acorreram de toda parte: das redondezas do lago e dos campos,
das cidades distantes e das aldeias para ouvi-Lo.
No ar pairava algo especial.
O azul doirado dos céus confraternizava com o verde queimado
da terra, e a brisa cariciosa chegava do mar, das bandas e
contrafortes do Hermon, que se alternavam, para espraiar-se pela
imensa planície do Esdrelon, trazendo o acre-doce odor do solo
crestado.
A montanha, em sua grandeza especial, é também um símbolo: o
Filho do Homem que desce aos homens vencendo as dificuldades do
mergulho no abismo, e do Homem que sobe e conduz os homens por
sobre escarpas lacerantes até o seio de Deus.
A montanha também é destaque maravilhoso na paisagem.
Galgar, subir a montanha pode significar vencer os óbices que
perturbam o avanço na jornada evolutiva.
Descer, deixar o monte, é
não considerar o empecilho e refazer o caminho, alongar as mãos em
direção dos que ficaram tolhidos na retaguarda...
É muito áspera a descida aos homens para erguê-los a Deus.
Perder-se entre as querelas humanas para encontrar os Espíritos
em perturbação na noite das necessidades aparentes e resplandecer
em madrugada sublime, guiando-os por sobre os escombros da
véspera, a fim de subirem até o planalto onde brilha,
permanentemente, o Sol do claro e demorado Dia....
Descer sem decair.
Os homens suscitam obstáculos onde existem opiniões e
levantam cerros onde estão convenções.
Esquecer-se e vir até os que se debatem nas questiúnculas, que
vitalizam com desconcerto emocional e sofreguidão.
Dar-se, integrar-se de tal modo que seja comum a todos, mas a
nenhum igual.
Este o díptico: subir, descer.
Subir sem abandonar a baixada e descer sem esquecer os Cimos.
A montanha, era uma montanha qualquer.
E o poema que ali seria apresentado jamais foi ouvido, nunca
mais será ouvido em qualquer época, equivalente...
O Evangelista Mateus assevera: “E Jesus, vendo a multidão,
subiu a um monte...”, enquanto Lucas informa: “E descendo com eles,
parou num lugar plano...”
Subir ou descer! Não importa.
A verdade, porém, é que no plano do aclive Ele se deteve e, de
pé...
(...) Vestiu-se de poente.
Auréola refulgente incendiou-lhe os cabelos que a leve brisa
desnastrava, esfogueados.
As vestes abrasadas e a ansiedade do mundo em volta.
No
magote, homens, mulheres e crianças que levariam no cérebro e no
coração a Mensagem, o Poema divisor das realidades diferentes.
A multidão era a sua paixão, a sua vida. Amá-la e atendê-la, o seu
fanal.
Sentindo a multidão submissa, magnetizada, esquecida de si
mesma, numa sublime comunhão em que extravasava toda a vida,
Ele, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:
— Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o
Reino dos Céus!
Os pobres, todos os conheciam. Eram maltrapilhos,
malcheirosos, doentes.
Distendiam a mão que a miséria estiola.
Eram pobres; no entanto, quantos deles portavam os tesouros da
riqueza do espírito! Espírito rico de revolta, possuidor de paixões,
dono de vasto cabedal de angústia e mágoa...
Quais seriam os “pobres de espírito”?
O vento perpassa em leve cantilena pela multidão pensante, a
raciocinar, no silêncio que se fez espontâneo, na pausa que, natural,
se alonga...
Os ricos possuem moedas e títulos, propriedades e espíritos ricos
de ambições, de orgulho, de misoneísmo.
Os “pobres de espírito” são os livres de posses e ambições,
amantes da liberdade, pugnadores dos direitos alheios, idealistas,
cultores da verdade, preparados para a verdade.
Sem peias atadas à retaguarda, sem ímãs atraentes à frente.
Semelhantes aos simples, desataviados, e às crianças.
Inteiramente livres.
Candidatos ao Reino dos Céus e súditos dele, desde já.
Inocentes porque venceram com o tributo das lágrimas e o
patrimônio dos suores.
Ressarcido o débito, lavadas as mazelas,
puros, portanto, sem a vacuidade do “eu”, predispostos à
autodeliberação, à autossublimação.
Livres dos resíduos do mundo, não consumidos, não afligentes.
Com todos, ao lado de todos, sem ninguém, não amarrados aos
outros, às convenções dos outros.
“Pobres de espírito!”
(11) Mateus, 5: 1 a 48; 6: 1 a 34; 7: 1 a 29. Lucas, 6: 17 a 49 (nota
da autora espiritual).
Fonte: Livro Primícias do Reino, Divaldo Franco, por Amélia Rodrigues