Olá amigos!
Ouçam abaixo o trecho do livro
Primícias do reino
Nicodemos, o amigo
...O largo alpendre, com latadas floridas, deixava divisar os muros
de Jerusalém adormecida.
A noite sonhadora e estrelada prateava os campos ondulantes ao
vento jornaleiro.
A sala iluminada por lâmpadas de óleo crepitante agasalhava os
dois hóspedes a se defrontarem, silenciosos.Em Nicodemos a expectativa é imensurável.
De Espírito
arrebatado, conhecia as glórias mundanas e saturara-se da bajulação.
Representava a Humanidade inquieta, instável, ansiosa.
Jesus personificava a paz. Sereno, auscultava o amigo que fora
interrogá-lO.
Eram bem dois mundos distintos...
Sem mais poder dominar o corcel das emoções desordenadas, o
Doutor da Lei indagou:
— Rabi, bem sabemos que és Mestre vindo de Deus; porque
ninguém pode fazer esses sinais que Tu fazes, se Deus não for com
ele.
A face do Mestre, coroada pelos cabelos encaracolados e caídos
sobre os ombros, parecia transfigurada.
Os olhos brilhavam com
estranho e claro fulgor,
— Que desejas de mim? —, perguntou Jesus.
— Que é mister fazer — retrucou, emocionado, o fariseu —para
fruir das excelsitudes da paz com a mente reta e o coração tranquilo?
... e depois, gozar as delícias do Reino?
Há quanto tempo a pergunta lhe queimava o pensamento?!
Desejava o roteiro, mas temia encontrá-lo.
Gostaria de saber a verdade, e receava conhecê-la.
A verdade fora a razão da sua busca incessante, mas não
ignorava que, conhecê-la, era morrer para todas as ilusões,
suportando o fardo opressor das incompreensões e lutas, de Espírito
firme nos alicerces do seu conhecimento.
Vendo o Mestre, e impregnando-se do Seu magnetismo, sentia
ser aquele o momento decisivo de toda a sua existência.
Aguardava a resposta.
Começaria a viver, morrendo para tudo
quanto reunira na vida...
As interrogações quedavam na sala.
Sentindo aquele homem de Espírito nobre, perdido nos dédalos
das convenções, asfixiado pelas exterioridades enganosas, o Rabi
respondeu:
— Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de
novo, não pode ver o Reino de Deus...
A resposta era complexa e profunda.
Que seria “nascer de novo”? -, pensou, e sem cobrar fôlego,
interveio:
— Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura, pode
tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?
O Mestre fitou-o demoradamente.
Nicodemos sentiu-se embaraçado.
— Quando me refiro a nascer de novo prosseguiu o Rabi —
desejo elucidar quanto à necessidade de nascer da água e do Espírito
O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é
Espírito. Não te maravilhes de te ter dito: necessário te é nascer de
novo. O Espírito sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes
de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido
do Espírito.
Estranha informação.
Nicodemos pensa: então os Esseus estavam informados quanto
ao Reino de Deus? Também eles falavam, como os Antigos e a
Tradição, a respeito dos renascimentos.
Sabia que, nos mistérios egípcios, além da metempsicose com
que se ameaçavam os maus, os sacerdotes falavam aos iniciados
sobre os diversos Avatares do Espírito para se despojarem dos crimes
e das imperfeições. Seria, então, esse “nascer de novo” igual ao da
doutrina das vidas sucessivas a que se reportavam os hindus e os
gregos?
Parecia-lhe lógica a necessidade de renascer. Pagar numa vida os
débitos angariados noutra. Refazer o caminho percorrido, retificando
erros, corrigindo arestas.
Não podia, no entanto, perder-se em cismas.
Como se despertasse do ensinamento, indagou, procurando
robustecimento:
— Como pode ser isso?
— Es Mestre em Israel — retorquiu Jesus — e não sabes isto?
Todos os que compulsam os velhos pergaminhos conhecem a trilha da
evolução. “Dizemos o que sabemos, e testificamos o que vimos; e não
aceitais o nosso testemunho. ” Essas são informações do currículo terreno. Outras poderia dizê-las, celestiais, mas não as
compreenderias. O Espírito é imperecível, e na sua jornada infinita
estaciona para refletir e recomeça para ascender. Os compromissos
não regularizados ou complicados hoje, amanhã serão ressarcidos...
A emoção vibrava nos lábios do Rabi.
Era quase um monólogo.
Talvez Ele estivesse falando à Humanidade inteira.
Desejando imprimir no ouvinte perplexo e atento a diretriz de
segurança e identificando-se como o Enviado, prosseguiu:
— Ninguém (da Terra) subiu ao Céu, senão o que desceu do Céu,
o Filho do Homem, que está no Céu. E, como Moisés levantou a
serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja
levantado, para que todo aquele que n`Ele crê, tenha a vida futura...
Que desejava Ele dizer com “a serpente”? Salomão a ela se
referia como símbolo de sacrifício, - pensou Nicodemos.
Seria necessário que o Rabi fosse sacrificado para que a verdade
se espalhasse nos corações e os homens a pudessem identificar?
Percebeu intimamente que já O amava e surda preocupação começou
a assomar-lhe à mente.
Nicodemos tinha os olhos nublados.
O Rabi estava de pé.
A sala ampla mergulhou em silêncio.
Os astros fulguravam ao longe.
A entrevista estava concluída.
Nicodemos fitou o Mestre banhado de prata.
Despediu-se e,
embrulhado no fez, desapareceu na noite, rumando para Jerusalém.
A verdade ficaria abrindo rotas nas mentes e guiando Espíritos.
A Doutrina das Vidas Sucessivas fora ensinada por Jesus. A
reencarnação decifraria os enigmas da vida pelos tempos do porvir.
*
Fonte: livro Primícias do reino, Divaldo Franco e Amélia Rodrigues