06/08/2020

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Ouçam abaixo o trecho do livro 
Pontos e Contos



01 
 O PROGRAMA DO SENHOR 

 A frente da turba faminta, Jesus multiplicou os pães e os peixes, atendendo à necessidade dos circunstantes. 

O fenômeno maravilhara. 

O povo jazia entre o êxtase e o júbilo intraduzíveis. Fora quinhoado por um sinal do Céu, maior que os de Moisés e Josué. 

Frêmito de admiração e assombro dominava a massa compacta. Relacionavam-se, ali, pessoas procedentes das regiões mais diversas. 

Além dos peregrinos, em grande número, que se adensavam habitualmente em torno do Senhor, buscando consolação e cura, mercadores da Iduméia, negociantes da Síria, soldados romanos e cameleiros do deserto ali se congregavam em multidão, na qual se destacavam as exclamações das mulheres e o choro das criancinhas. 

O povo, convenientemente sentado na relva, recebia, com interjeições gratulatórias, o saboroso pão que resultara do milagre sublime. 

Água pura em grandes bilhas era servida, após o substancioso repasto, pelas mãos robustas e felizes dos apóstolos. 

E Jesus, após renovar as promessas do Reino de Deus, de semblante melancólico e sereno contemplava os seguidores, da eminência do monte. 

Semelhava-se, realmente, a um príncipe, materializado, de súbito, na Terra, pela suavidade que lhe transparecia da fronte excelsa, tocada pelo vento que soprava, de leve... 

Expressões de júbilo eram ouvidas, aqui e ali. 

Não fornecera Ele provas de inexcedível poder? não era o maior de todos os profetas? não seria o libertador da raça escolhida? Recolhiam os discípulos a sobra abundante do inesperado banquete, quando Malebel, espadaúdo assessor da Justiça em Jerusalém, acercou-se do Mestre e clamou para a multidão haver encontrado o restaurador de Israel. 

Esclareceu que conviria receber-lhe as determinações, desde aquela hora inesquecível, e os ouvintes reergueram-se, à pressa, engrossando fileiras, ao redor do Messias Nazareno. 

Jesus, em silêncio, esperou que alguém lhe endereçasse a palavra e, efetivamente, Malebel não se fez rogado. 

– Senhor – indagou, exultante –, és, em verdade, o arauto do novo Reino? 

– Sim – respondeu o Cristo, sem, titubear. 

– Em que alicerces será estabelecida a nova ordem? – prosseguiu o oficial do Sinédrio, dilatando o diálogo. 

– Em obrigações de trabalho para todos. 

O interlocutor esfregou o sobrecenho com a mão direita, evidentemente inquieto, e continuou: – Instituir-se-á, porém, uma organização hierárquica? 

– Como não? – acentuou o Mestre, sorrindo. 

– Qual a função dos melhores? 

– Melhorar os piores. 

– E a ocupação dos mais inteligentes? 

– Instruir os ignorantes. 

– Senhor, e os bons? Que farão os homens bons, dentro do novo sistema? 

Ajudarão aos maus, á fim de que estes se façam igualmente bons. 

– E o encargo dos ricos? 

– Amparar os mais pobres para que também se enriqueçam de recursos e conhecimentos. 

– Mestre – tornou Malebel, desapontado –, quem ditará semelhantes normas? 

– O amor pelo sacrifício, que florescerá em obras de paz no caminho de todos. 

– E quem fiscalizará o funcionamento do novo regime? 

– A compreensão da responsabilidade em cada um de nós. 

– Senhor, como tudo isto é estranho! – considerou o noviço, alarmado – desejarás dizer que o Reino diferente prescindirá de palácios, exércitos, prisões, impostos e castigos? 

– Sim – aclarou Jesus, abertamente –, dispensará tudo isso e reclamará o espírito de renúncia, de serviço, de humildade, de paciência, de fraternidade, de sinceridade e, sobretudo, do amor de que somos credores, uns para com os outros, e a nossa vitória permanecerá muito mais na ação incessante do bem com o desprendimento da posse, na esfera de cada um, que nos próprios fundamentos da Justiça, até agora conhecidos no mundo. 

Nesse instante, justamente quando os doentes e os aleijados, os pobres e os aflitos desciam da colina tomados de intenso júbilo, Malebel, o destacado funcionário de Jerusalém, exibindo terrível máscara de sarcasmo na fisionomia dantes respeitosa, voltou as costas ao Senhor, e, acompanhado por algumas centenas de pessoas bem situadas na vida, deu-se pressa em retirar-se, proferindo frases de insulto e zombaria... 

O milagre dos pães fora rapidamente esquecido, dando a entender que a memória funciona dificilmente nos estômagos cheios, e, se Jesus não quis perder o contacto com a multidão, naquela hora célebre, foi obrigado a descer também. 

Fonte: Livro Pontos e Contos, Francisco Cãndido Xavier, pelo Espírito irmão X