05/08/2020

 Olá!

          Segue nosso estudo de quarta-feira às 19 h.
        Livro A Gênese
        capítulo 1
Caráter da revelação Espírita - itens 50 a 62



Leitura inicial:

26 - EM NOSSAS MÃOS 

 "Venha a nós o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus”. - JESUS. (Mateus, 6:10.). 

 Convence-te de que as Leis da Divina Sabedoria não se enganariam. Situando-te na terra, por tempo determinado, com vistas ao próprio burilamento que te cabe realizar, trazes contigo as faculdades que o senhor te concedeu por instrumentos de trabalho. Encontras-te no lugar certo em que te habilitas a desempenhar os encargos próprios. Tens contigo as criaturas mais adequadas a te impulsionarem nos caminhos à frente. Passas pelas experiências de que não prescindes para a conquista da sublimação que demandas. Recebes os parentes e afeições de que mais necessitas para resgatar as dívidas do passado ou renovar-te nos impulsos de elevação. Vives na condição certa na qual te compete efetuar as melhores aquisições de espírito. Sofres lutas compatíveis com as tuas necessidades de conhecimento superior. Vários acontecimentos dos quais não se te faz possível a desejada liberação, a fim de que adquiras autocontrole. Atravessas circunstâncias, por vezes difíceis, de modo a conheceres o sabor da vitória sobre ti mesmo. E em qualquer posição, na qual te vejas, dispões sempre de certa faixa de tempo a fim de fazer o bem aos outros, tanto quanto queiras, como julgues melhor, da maneira que te pareça mais justa e na extensão que desejas, para que, auxiliando aos outros, recebas dos outros mais amplo auxílio, no instante oportuno. Segundo é fácil de observar, estás na Terra, de alma condicionada às leis de espaço e tempo, conforme o impositivo de auto-aperfeiçoamento, em que todos nos achamos, no mundo físico ou fora dele, mas sempre com vastas possibilidades de exercer o bem e estendê-lo aos semelhantes, porque melhorar-nos e elevar-nos, educar-nos e, sobretudo, servir, são sempre medidas preciosas, invariavelmente em nossas próprias mãos.

Fonte: Livro Ceifa de Luz, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel

Trecho do estudo:

50. A terceira revelação, vinda numa época de emancipação e madureza intelectual, em que a inteligência, já desenvolvida, não se resigna a representar papel passivo; em que o homem nada aceita às cegas, mas quer ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de cada coisa — tinha ela que ser ao mesmo tempo o produto de um ensino e o fruto do trabalho, da pesquisa e do livre-exame. Os Espíritos não ensinam senão justamente o que é mister para guiar o homem no caminho da verdade, mas abstêm-se de revelar o que ele homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes, que adquira experiência à sua custa. Fornecem-lhe o princípio, os materiais; cabe ao homem aproveitá-lo e pô-los em prática (Item 15).

51. Tendo sido os elementos da revelação espírita ministrados simultaneamente em muitos pontos, a homens de todas as condições sociais e de diversos graus de instrução, é claro que as observações não podiam ser feitas em toda parte com o mesmo resultado; que as consequências a tirar, a dedução das leis que regem esta ordem de fenômenos, em suma, a conclusão sobre que haviam de firmar-se as ideias não podiam sair senão do conjunto e da correlação dos fatos. Ora, cada centro isolado, circunscrito dentro de um círculo restrito, não vendo as mais das vezes senão uma ordem particular de fatos, não raro contraditórios na aparência, geralmente provindos de uma mesma categoria de Espíritos e, ao demais, embaraçados por influências locais e pelo espírito de partido, se achava na impossibilidade material de abranger tudo o que ocorre e, por isso mesmo, incapaz de conjugar as observações isoladas a um princípio comum. Apreciando cada qual os fatos sob o ponto de vista dos seus conhecimentos e crenças anteriores, ou da opinião particular dos Espíritos que se manifestassem, bem cedo teriam surgido tantas teorias e sistemas, quantos fossem os centros, todos incompletos por falta de elementos de comparação e exame. Numa palavra, cada qual se teria imobilizado na sua revelação parcial, julgando possuir toda a verdade, ignorando que em cem outros lugares se obtinha mais ou melhor.

52. Além disso, convém notar que em parte alguma o ensino espírita foi dado integralmente; ele diz respeito a tão grande número de observações, a assuntos tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas especiais, que impossível era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas as condições necessárias. Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os Espíritos dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de estudo e observação como, em algumas fábricas, a confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por diversos operários.

A revelação fez-se assim parcialmente em diversos lugares e por uma multidão de intermediários e é dessa maneira que ela prossegue ainda, pois que nem tudo foi revelado. Cada centro encontra nos outros centros o complemento do que obtém, e foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que constituíram a Doutrina Espírita

Era, pois, necessário grupar os fatos espalhados, para se lhes apreender a correlação, reunir os documentos diversos, as instruções dadas pelos Espíritos sobre todos os pontos e sobre todos os assuntos, para as comparar, analisar, estudar-lhes as analogias e as diferenças. Vindo as comunicações de Espíritos de todas as ordens, mais ou menos esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão permitia conceder-lhes, distinguir as ideias sistemáticas individuais ou isoladas das que tinham a sanção do ensino geral dos Espíritos; as utopias, das ideias práticas; afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência positiva e da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações fornecidas pelos Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento do estado do mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo.

Era preciso, numa palavra, um centro de elaboração, independente de qualquer ideia preconcebida, de todo preconceito de seita, resolvido a aceitar a verdade tornada evidente, embora contrária às opiniões pessoais. Este centro se formou por si mesmo, pela força das coisas e sem desígnio premeditado.(10)

(10) Nota de Allan Kardec: O livro dos espíritos, a primeira obra que levou o Espiritismo a ser considerado de um ponto de vista filosófico, pela dedução das consequências morais dos fatos; que considerou todas as partes da Doutrina, tocando nas questões mais importantes que ela suscita, foi, desde o seu aparecimento, o ponto de união para o qual convergiram espontaneamente os trabalhos individuais. É notório que da publicação desse livro data a era do Espiritismo filosófico, que até então era conservado no domínio das experiências curiosas. Se esse livro conquistou as simpatias da maioria é que exprimia os sentimentos dela, correspondia às suas aspirações e encerrava também a confirmação e a explicação racional do que cada um obtinha em particular. Se ele estivesse em desacordo com o ensino geral dos Espíritos, teria caído no descrédito e no esquecimento. Ora, qual foi aquele ponto de convergência? Decerto não foi o homem, que nada vale por si mesmo, que morre e desaparece; mas, a ideia, que não fenece quando emanada de uma fonte superior ao homem. 

53. De todas essas coisas, originou-se dupla corrente de ideias: umas, dirigindo-se das extremidades para o centro; as outras, encaminhando-se do centro para a circunferência. Desse modo, a doutrina caminhou rapidamente para a unidade, malgrado a diversidade das fontes donde promanou; os sistemas divergentes ruíram pouco a pouco, devido ao isolamento em que ficaram, diante da ascensão da opinião da maioria, na qual não encontraram repercussão simpática. Desde então, uma comunhão de ideias se estabeleceu entre os diversos centros parciais. Falando a mesma linguagem espiritual, eles se entendem e estimam, de um extremo a outro do mundo. 

Sentiram-se assim mais fortes os espíritas, lutaram com mais coragem, caminharam com passo mais firme, desde que não mais se viram isolados, desde que perceberam um ponto de apoio, um laço a prendê-los à grande família. Não mais lhes pareceram singulares, anormais, nem contraditórios os fenômenos que presenciavam, desde que puderam conjugá-los a leis gerais de harmonia, perceber num piscar de olhos toda a obra e descobrir um fim grandioso e humanitário em todo o conjunto.(11)

Essa espontânea concentração de forças dispersas deu lugar a uma amplíssima correspondência, monumento único no mundo, quadro vivo da verdadeira história do Espiritismo moderno, em que se refletem ao mesmo tempo os trabalhos parciais, os sentimentos múltiplos nascidos da Doutrina, dos resultados morais, das dedicações, dos desfalecimentos — arquivos preciosos para a posteridade, que poderá julgar os homens e as coisas por meio de documentos autênticos. Em presença desses testemunhos irrecusáveis, a que se reduzirão, com o tempo, todas as falsas alegações, as difamações da inveja e do ciúme? 
(11) Nota de Allan Kardec: Significativo testemunho, tão notável quão tocante, dessa comunhão de ideias que se estabeleceu entre os espíritas, pela conformidade de suas crenças, são os pedidos de preces que nos chegam dos mais distantes países, desde o Peru até as extremidades da Ásia, feitos por pessoas de religiões e nacionalidades diversas e as quais nunca vimos. Não é isso um prelúdio da grande unificação que se prepara? Não é a prova de que por toda parte o Espiritismo lança raízes fortes? Digno de nota é que, de todos os grupos que se têm formado com a intenção premeditada de cindir, proclamando princípios divergentes, e de tantos outros que, apoiando-se em razões de amor-próprio ou de outras quaisquer, para não parecer que se submetem à lei comum, e por considerarem-se fortes o bastante para caminhar sozinhos, julgando-se possuidores de luzes suficientes para prescindirem de conselhos, nenhum chegou a constituir uma ideia que fosse preponderante e viável. Todos se extinguiram e/ou vegetaram na sombra. Nem de outro modo poderia ser, dado que, para se exalçarem, em vez de se esforçarem por proporcionar maior soma de satisfações, esses grupos discordantes rejeitavam princípios da Doutrina, precisamente os mais atraentes há nela: o que de mais consolador, de encorajador e de mais racional ela contém. Se tivessem compreendido a força dos elementos morais que lhe constituíram a unidade, não se teriam embalado com ilusões quiméricas. Ao contrário, tomando como se fosse o universo o pequeno círculo que constituíam, não viram nos seus novos adeptos mais do que uma camarilha facilmente derrubável por outra contrária. Era equivocar-se de modo singular no tocante aos caracteres essenciais da Doutrina Espírita, e semelhante erro só decepções podia acarretar. Em lugar de romperem a unidade, quebraram o único laço que lhes podia dar força e vida. (Veja-se: Revista espírita, abril de 1866: O Espiritismo sem os Espíritos, O Espiritismo independente.)

Mas como se há de saber se um princípio é ensinado por toda parte, ou se apenas exprime uma opinião pessoal? Não estando os grupos isolados em condições de saber o que se dizia alhures, necessário se fazia que um centro reunisse todas as instruções, para proceder a uma espécie de apuro das vozes e transmitir a todos a opinião da maioria.(12)

(12) Nota de Allan Kardec: Esse o objeto das nossas publicações, que se podem considerar o resultado de um trabalho de despojamento e renúncia. Nelas, todas as opiniões são discutidas, mas as questões não são apresentadas em forma de princípios, somente depois de haverem recebido a consagração de todas as comprovações, as quais lhes podem imprimir força de lei e permitir afirmações. Eis por que não preconizamos levianamente nenhuma teoria e é nisso exatamente que a doutrina, decorrendo do ensino geral, não representa de modo algum o produto de um sistema preconcebido. É isso que constitui a sua força e lhe garante o futuro.

54. Nenhuma ciência existe que haja saído prontinha do cérebro de um homem. Todas, sem exceção, são fruto de observações sucessivas, apoiadas em observações precedentes, como sobre um ponto conhecido para chegar ao desconhecido. Foi assim que os Espíritos procederam com relação ao Espiritismo, daí o ser gradativo o ensino que ministram, pois eles não enfrentam as questões, senão à medida que os princípios sobre que hajam de apoiar-se estejam suficientemente elaborados e amadurecida a opinião para os assimilar. É mesmo de notar-se que, de todas as vezes que os centros particulares têm querido tratar de questões prematuras, não obtiveram mais do que respostas contraditórias, nada concludentes. Quando, ao contrário, chega o momento oportuno, o ensino se generaliza e se unifica na quase universalidade dos centros. 

Há, todavia, capital diferença entre a marcha do Espiritismo e a das ciências; a de que estas não atingiram o ponto que alcançaram, senão após longos intervalos, ao passo que alguns anos bastaram ao Espiritismo, quando não a galgar o ponto culminante, pelo menos a recolher uma soma de observações bem grande para formar uma doutrina. Decorre esse fato de ser inumerável a multidão de Espíritos que, por vontade de Deus, se manifestaram simultaneamente, trazendo cada um o contingente de seus conhecimentos. Resultou daí que todas as partes da Doutrina, em vez de serem elaboradas sucessivamente durante vários séculos, o foram quase ao mesmo tempo, em alguns anos apenas, e que bastou reuni-las para que estruturassem um todo. 

Quis Deus fosse assim, primeiro, para que o edifício mais rapidamente chegasse à conclusão; em seguida, para que se pudesse, por meio da comparação, conseguir uma verificação, a bem dizer imediata e permanente, da universalidade do ensino, pois nenhuma de suas partes tem valor, nem autoridade, a não ser pela sua conexão com o conjunto, devendo todas harmonizar-se, achando cada uma o devido lugar e vindo cada um na hora oportuna. 

Não confiando a um único Espírito o encargo de promulgar a doutrina, quis Deus, também, que, assim o mais pequenino, como o maior, tanto entre os Espíritos, quanto entre os homens, trouxesse sua pedra para o edifício, a fim de estabelecer entre eles um laço de solidariedade cooperativa, que faltou a todas as doutrinas decorrentes de um tronco único. 

Por outro lado, dispondo todo Espírito, como todo homem, apenas de limitada soma de conhecimentos, não estavam eles aptos, individualmente, a tratar ex professo (13) das inúmeras questões que o Espiritismo abrange. Essa ainda uma razão por que, em cumprimento dos desígnios do Criador, não podia a doutrina ser obra nem de um só Espírito, nem de um só médium. Tinha que emergir da coletividade dos trabalhos, comprovados uns pelos outros.(14)

(13) N.E.: Locução latina que significa como professor; magistralmente; com verdadeiro conhecimento de causa. 
(14) Nota de Allan Kardec: Veja-se, em O evangelho segundo o espiritismo, Introdução, item II, e Revista espírita, de abril de 1864: Autoridade da Doutrina Espírita. Controle universal do ensino dos Espíritos.

55. Um último caráter da revelação espírita, a ressaltar das condições mesmas em que ela se produz, é que, apoiando-se em fatos, a Doutrina tem que ser, e não pode deixar de ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Pela sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposição das leis da natureza, com relação a certa ordem de fatos, não pode ser contrária às Leis de Deus, autor daquelas Leis. As descobertas que a Ciência realiza, longe de o rebaixarem, glorificam a Deus; unicamente destroem o que os homens edificaram sobre as falsas ideias que formaram de Deus. 

O Espiritismo, pois, estabelece como princípio absoluto somente o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo-se com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que o Espiritismo se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará. (15)

(15) Nota de Allan Kardec: Diante de declarações tão nítidas e tão categóricas, quais as que se contêm neste capítulo, caem por terra todas as alegações de tendências ao absolutismo e à autocracia dos princípios, bem como todas as falsas assimilações que algumas pessoas prevenidas ou mal informadas emprestam à Doutrina. Não são novas, aliás, estas declarações; temo-las repetido muitíssimas vezes nos nossos escritos, para que nenhuma dúvida persista a tal respeito. Elas, ao demais, assinalam o verdadeiro papel que nos cabe, único que ambicionamos: o de mero trabalhador.

56. Qual a utilidade da doutrina moral dos Espíritos, uma vez que não difere da do Cristo? Precisa o homem de uma revelação? Não pode achar em si próprio tudo o que lhe é necessário para conduzir-se? 

Do ponto de vista moral, é fora de dúvida que Deus outorgou ao homem um guia, dando-lhe a consciência, que lhe diz: “Não faças a outrem o que não quererias te fizessem.” 

A moral natural está positivamente inscrita no coração dos homens; porém, sabem todos lê-la nesse livro? Nunca lhe desprezaram os sábios preceitos? Que fizeram da moral do Cristo? Como a praticam aqueles mesmos que a ensinam? Não se tornou ela letra morta, ou bela teoria, boa para os outros, e não para si? Reprovareis que um pai repita a seus filhos dez vezes, cem vezes as mesmas instruções, desde que eles não as sigam? Por que haveria Deus de fazer menos do que um pai de família? Por que não enviaria, de tempos a tempos, mensageiros especiais aos homens, para lhes lembrar os deveres e reconduzi-los ao bom caminho, quando deste se afastam; para abrir os olhos da inteligência aos que os trazem fechados, assim como os homens mais adiantados enviam missionários aos selvagens e aos bárbaros? A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pela razão de que não há outra melhor. Mas, então, de que serve o ensino oferecido por eles, se apenas repisam o que já sabemos? Outro tanto se poderia dizer da moral do Cristo, que já era ensinada por Sócrates e Platão quinhentos anos antes e em termos quase idênticos. O mesmo se poderia dizer também das de todos os moralistas, que nada mais fazem do que repetir a mesma moral em todos os tons e sob todas as formas. Pois bem! os Espíritos vêm, muito simplesmente, aumentar o número dos moralistas, com a diferença de que, manifestando-se por toda parte, tanto se fazem ouvir na choupana, como no palácio, assim pelos ignorantes, como pelos instruídos. 

O que o ensino dos Espíritos acrescenta à moral do Cristo é o conhecimento dos princípios que regem as relações entre os mortos e os vivos, princípios que completam as noções vagas que se tinham da alma, de seu passado e de seu futuro, dando por sanção à doutrina cristã as próprias leis da natureza. Com o auxílio das novas luzes que o Espiritismo e os Espíritos espargem, o homem compreende a solidariedade que o liga a todos os seres; a caridade e a fraternidade se tornam uma necessidade social; ele faz por convicção o que fazia unicamente por dever, e o faz melhor. 

Somente quando praticarem a moral do Cristo, poderão os homens dizer que não mais precisam de moralistas encarnados ou desencarnados. Deus, então, não mais lhos enviará. 

57. Uma das questões mais importantes, entre as propostas no começo deste capítulo, é a seguinte: Que autoridade tem a revelação espírita, uma vez que emana de seres de limitadas luzes e que não são infalíveis? 

A objeção seria ponderosa, se essa revelação consistisse apenas no ensino dos Espíritos, se deles exclusivamente a devêssemos receber e houvéssemos de aceitá-la de olhos fechados. Ela perde, porém, todo valor, desde que o homem concorra para a revelação com o seu raciocínio e o seu julgamento; desde que os Espíritos se limitam a pôr o homem no caminho das deduções, que ele pode tirar da observação dos fatos. Ora, as manifestações, nas suas inumeráveis modalidades, são fatos; o homem as estuda para lhes deduzir a lei que as rege, auxiliado nesse trabalho por Espíritos de todas as categorias, que são mais colaboradores do que reveladores, no sentido usual do termo. Ele lhes submete os dizeres ao controle da lógica e do bom senso: desta maneira o homem se beneficia dos conhecimentos especiais de que os Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar do uso da própria razão. 

Sendo os Espíritos as almas dos homens, comunicando-nos com eles não saímos da condição de humanidade, circunstância capital a considerar-se. Os homens de gênio, que foram condutores da humanidade, vieram do mundo dos Espíritos e para lá voltaram ao deixar a Terra. Dado que os Espíritos podem comunicar-se com os homens, esses mesmos gênios podem dar-lhes instruções sob a forma espiritual, como o fizeram sob a forma corpórea. Podem instruir-nos, depois de terem morrido, tal qual faziam quando vivos; apenas são invisíveis, em vez de serem visíveis, essa a única diferença. Não devem ser menores do que eram a experiência e o saber que possuem e, se a palavra deles, como homens, tinha autoridade, ela não pode ter diminuído, somente por estarem no mundo dos Espíritos. 

58. Mas nem só os Espíritos superiores se manifestam; fazem-no igualmente os de todas as categorias e preciso era que assim acontecesse, para nos iniciarmos no que respeita ao verdadeiro caráter do mundo espiritual, apresentando-se-nos este por todas as suas faces. Daí resulta serem mais íntimas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível e mais evidente a conexidade entre os dois. Vemos assim mais claramente donde procedemos e para onde iremos. Esse o objetivo essencial das manifestações. Todos os Espíritos, pois, qualquer que seja o grau de elevação em que se encontrem, alguma coisa nos ensinam; cabe-nos, porém, a nós, visto que eles são mais ou menos esclarecidos, discernir o que há de bom ou de mau no que nos digam e tirar, do ensino que nos deem, o proveito possível. Ora, todos, quaisquer que sejam, nos podem ensinar ou revelar coisas que ignoramos e que sem eles nunca saberíamos. 

59. Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita, individualidades poderosas, mas de ação restrita e lenta a propagação de seus ensinamentos. Viesse um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés, Sócrates ou Platão, revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo espiritual, quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de ceticismo? Não o tomariam por sonhador ou utopista? Mesmo que fosse verdade absoluta o que dissesse, séculos se escoariam antes que as massas humanas lhe aceitassem as ideias. Deus, em sua sabedoria, não quis que assim acontecesse; quis que o ensino fosse dado pelos próprios Espíritos, não por encarnados, a fim de que aqueles convencessem da sua existência a estes últimos e quis que isso ocorresse por toda a Terra simultaneamente, quer para que o ensino se propagasse com maior rapidez, quer para que, coincidindo em toda parte, constituísse uma prova da verdade, tendo assim cada um o meio de convencer-se a si próprio. 

60. Os Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitirem uma ciência pronta. Com relação ao que o homem pode achar por si mesmo, eles o deixam Caráter da revelação entregue às suas próprias forças. Isso sabem-no hoje perfeitamente os espíritas. De há muito, a experiência há demonstrado ser errôneo atribuir-se aos Espíritos todo o saber e toda a sabedoria, e que bastaria dirigir-se ao primeiro Espírito que se apresente para conhecer todas as coisas. ­Saídos da humanidade, os Espíritos constituem uma de suas faces. Assim como na Terra, entre eles há os superiores e os vulgares; muitos deles, pois, científica e filosoficamente, sabem menos do que certos homens; eles dizem o que sabem, nem mais, nem menos. Do mesmo modo ocorre com os homens, os Espíritos mais adiantados podem instruir-nos sobre maior porção de coisas, dar-nos opiniões mais judiciosas, do que os atrasados. Pedir o homem conselhos aos Espíritos não é entrar em entendimento com potências sobrenaturais; é tratar com seus iguais, com aqueles mesmos a quem ele se dirigiria neste mundo físico; a seus parentes, seus amigos, ou a indivíduos mais esclarecidos do que ele. Disto é que importa se convençam todos e é o que ignoram os que, não tendo estudado o Espiritismo, fazem ideia completamente falsa da natureza do mundo dos Espíritos e das relações com o além-túmulo. 

61. Qual, então, a utilidade dessas manifestações, ou, se o preferirem, dessa revelação, uma vez que os Espíritos não sabem mais do que nós, ou não nos dizem tudo o que sabem? 

Primeiramente, como já o declaramos, eles se abstêm de nos dar o que podemos adquirir pelo trabalho; em segundo lugar, há coisas cuja revelação não lhes é permitida, porque o grau do nosso adiantamento não as comporta. Afora isto, as condições da nova existência em que se acham lhes dilatam o círculo das percepções: os Espíritos veem o que não viam quando estavam na Terra; libertos dos entraves da matéria e dos cuidados da vida corpórea, julgam as coisas de um ponto de vista mais elevado e, portanto, mais são; a sua perspicácia abrange mais vasto horizonte; compreendem seus erros, retificam suas ideias e se desembaraçam dos prejuízos humanos. 

É nisto que consiste a superioridade dos Espíritos com relação à humanidade corpórea e daí vem a possibilidade de serem seus conselhos, segundo o grau de adiantamento que alcançaram, mais judiciosos e desinteressados do que os dos encarnados. O meio em que se encontram lhes permite, ademais, iniciar-nos nas coisas, que ignoramos, relativas à vida futura e que não podemos aprender no meio em que estamos. Até o presente, o homem apenas formulara hipóteses sobre o seu porvir; tal a razão por que suas crenças a esse respeito se fracionaram em tão numerosos e divergentes sistemas, desde o niilismo até as concepções fantásticas do inferno e do paraíso. Hoje, são as testemunhas oculares, os próprios atores da vida de além-túmulo que nos vêm dizer o que é essa vida, o que só eles o podiam fazer. Suas manifestações, conseguintemente, serviram para dar-nos a conhecer o mundo invisível que nos rodeia e do qual nem suspeitávamos e só esse conhecimento seria de capital importância, supondo que nada mais pudessem os Espíritos ensinar-nos. 

Se fordes a um país que ainda não conheçais, recusareis as informações que vos dê o mais humilde campônio que encontrardes? Deixareis de interrogá-lo sobre o estado dos caminhos simplesmente por ser ele um camponês? Certamente não esperareis obter, por seu intermédio, esclarecimentos de grande alcance, mas, de acordo com o que ele é na sua esfera, poderá, sobre alguns pontos, informar-vos melhor do que um sábio que não conheça o país. Tirareis das suas indicações deduções que ele próprio não tiraria, sem que por isso deixe de ser um instrumento útil às vossas observações, embora apenas servisse para vos informar acerca dos costumes dos camponeses. Outro tanto se dá no que concerne às nossas relações com os Espíritos, entre os quais o menos qualificado pode servir para nos ensinar alguma coisa. 

62. Uma comparação vulgar tornará ainda melhor compreensível a situação. 

Parte para destino longínquo um navio carregado de emigrantes. Leva homens de todas as condições, parentes e amigos dos que ficam. Vem-se a saber que esse navio naufragou. Nenhum vestígio resta dele, nenhuma notícia chega sobre a sua sorte. Acredita-se que todos os passageiros pereceram e o luto penetra em todas as suas famílias. Entretanto, a equipagem inteira, sem faltar um único homem, foi ter a uma ilha desconhecida, abundante e fértil, onde todos passam a viver ditosos, sob um céu clemente. Ninguém, todavia, sabe disso. Ora, um belo dia, outro navio aporta a essa terra e lá encontra sãos e salvos os náufragos. A feliz nova se espalha com a rapidez do relâmpago. Exclamam todos: “Não estão perdidos os nossos amigos!” E rendem graças a Deus. Não podem ver-se uns aos outros, mas correspondem-se; permutam demonstrações de afeto e assim a alegria substitui a tristeza. 

Tal a imagem da vida terrena e da vida de além-túmulo, antes e depois da revelação moderna. A última, semelhante ao segundo navio, nos traz a boa-nova da sobrevivência dos que nos são caros e a certeza de que a eles nos reuniremos um dia. Deixa de existir a dúvida sobre a sorte deles e a nossa. O desânimo se desfaz diante da esperança. 

Outros resultados fecundam essa revelação. Achando madura a humanidade para penetrar o mistério do seu destino e contemplar, a sangue-frio, novas maravilhas, permitiu Deus fosse erguido o véu que ocultava o mundo invisível ao mundo visível. Nada têm de extra-humanas as manifestações; é a humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal e dizer-lhe: 

“Nós existimos, logo, o nada não existe; eis o que somos e o que sereis; o futuro vos pertence, como a nós. Caminhais nas trevas, vimos clarear-vos o caminho e traçar-vos o roteiro; andais ao acaso, vimos apontar-vos a meta. A vida terrena era, para vós, tudo, porque nada víeis além dela; vimos dizer-vos, mostrando a vida espiritual: a vida terrestre nada é. A vossa visão se detinha no túmulo, nós vos desvendamos, para lá deste, um esplêndido horizonte. Não sabíeis por que sofreis na Terra; agora, no sofrimento, vedes a justiça de Deus. O bem nenhum fruto aparente produzia para o futuro. Doravante, ele terá uma finalidade e constituirá uma necessidade; a fraternidade, que não passava de bela teoria, assenta agora numa lei da natureza. Sob o domínio da crença de que tudo acaba com a vida, a imensidade é o vazio, o egoísmo reina soberano entre vós e a vossa palavra de ordem é: ‘Cada um por si.’ Com a certeza do porvir, os espaços infinitos se povoam ao infinito, em parte alguma há o vazio e a solidão; a solidariedade liga todos os seres aquém e além da tumba. É o reino da caridade, sob a divisa: ‘Um por todos e todos por um.’ Enfim, ao termo da vida, dizíeis eterno adeus aos que vos são caros; agora, dir- -lhes-eis: ‘Até breve!’” 

Tais são, em resumo, os resultados da revelação nova, que veio encher o vácuo que a incredulidade cavara, levantar os ânimos abatidos pela dúvida ou pela perspectiva do nada e imprimir a todas as coisas uma razão de ser. Carecerá de importância esse resultado, apenas porque os Espíritos não vêm resolver os problemas da Ciência, dar saber aos ignorantes e aos preguiçosos os meios de se enriquecerem sem trabalho? Nem só, entretanto, à vida futura dizem respeito os frutos que o homem deve Capítulo I 48 colher da nova revelação. Ele os saboreará na Terra, pela transformação que estas novas crenças hão de necessariamente operar no seu caráter, nos seus gostos, nas suas tendências e, por conseguinte, nos hábitos e nas relações sociais. Pondo fim ao reino do egoísmo, do orgulho e da incredulidade, as novas crenças preparam o do bem, que é o reino de Deus, anunciado pelo Cristo. (16)

16 Nota de Allan Kardec: A anteposição do artigo à palavra Cristo (do gr. Khristós, ungido), empregada em sentido absoluto, é mais correta, atento que essa palavra não é o nome do Messias de Nazaré, mas uma qualidade tomada substantivamente. Dir-se-á, pois: Jesus era Cristo; era o Cristo; era o Cristo anunciado; a morte do Cristo e não de Cristo, ao passo que se diz: a morte de Jesus e não do Jesus. Em Jesus Cristo, as duas palavras reunidas formam um só nome próprio. É pela mesma razão que se diz: o Buda; Gautama conquistou a dignidade de Buda por suas virtudes e austeridades. Diz-se: a vida do Buda, do mesmo modo que: o exército do Faraó e não de Faraó; Henrique IV era rei; o título de rei; a morte do rei e não de rei.