Olá amigos!
Ouçam abaixo um trecho do livro Lázaro Redivivo
35 - RETIROU-SE, ELE SÓ
35 - RETIROU-SE, ELE SÓ
Quando Jesus se fazia acompanhar pela multidão, na manhã rutilante, refletia,
amorosamente, consigo mesmo :
Ensinara as lições básicas do Reino de Deus aos filhos da Galiléia, que o seguiam naquele
instante divino... Todos permaneciam agora cientes do amor que devia espraiar-se sobre as
noções da lei antiga! que não poderia Ele fazer daqueles homens e mulheres bem
informados? Poderia, enfim, alongar-se em maiores considerações, relativas ao caminho de
retorno da criatura aos braços do Pai. Dilataria os esclarecimentos do amor universal,
conduziria a alma do povo para o grande entendimento. Decifraria para os filhos dos homens
os enigmas dolorosos que constrangem o coração. Para isso, porém, era indispensável que
compreendessem e amassem com o espírito... Quantas pequenas lutas em vão? quantos
atritos desnecessários? A multidão, por vezes, assumia atitudes estranhas e contraditórias.
Diante dos prepostos de Tibério, que a visitavam, aplaudia delirantemente; todavia, quando
se afastavam os emissários de César, manchava os lábios com palavras torpes e gastava
tempo na semeadura de ódios e divergências sem fim... Se aparecia algum enviado do
Sinédrio, nas cidades que marginavam o lago, louvava o povo a lei antiga e abraçava o
mensageiro das autoridades de Jerusalém. Bastava, entretanto, que o visitante voltasse as
costas para que a opinião geral ferisse a honorabilidade dos sacerdotes, perdendo-se nos
desregramentos verbais de toda espécie... Oh! sim – pensava - todo o problema do mundo
era a necessidade de amor e realização fraternal!
Sorveu o ar puro e contemplou as árvores frondosas, onde as aves do céu situavam os seus
ninhos. Algo distante o lago era um espelho imenso e cristalino, refletindo a luz solar. Barcas
rudes transportavam pescadores felizes, embriagados de alegria, na manhã clara e suave. E
em derredor das águas deslumbrantemente iluminadas, erguiam-se vozes de mulheres e
crianças, que cantavam nas chácaras embalsamadas de inebriante perfume da Natureza.
Agradecia ao Pai aquelas bênçãos maravilhosas de luz e vida e continuava meditando.
- Porque tamanha cegueira espiritual nos seres humanos? não viam, porventura, a condição
paradisíaca do mundo? porque se furtavam ao concerto de graças da manhã? Como não se
uniam todos ao hino da paz e da gratidão que se evolava de todas as coisas? Ah! toda
aquela multidão que o seguia precisava de amor, a fim de que a vida se lhe tornasse mais
bela. Ensiná-la-ia a conferir a cada situação o justo valor. Quem era César senão um
trabalhador da Providência, sujeito às vicissitudes terrestres, como outro homem qualquer?
não mereceria compreensão fraternal o imperador dos romanos, responsável por milhões de
criatura? algemado às obrigações sociais e políticas, atento ao superficialismo das coisas,
não era razoável que errasse muito, merecendo, por isso mesmo, mais compaixão? E os
chefes do Sinédrio? não estavam sufocados pelas orgulhosas tradições da raça? poderiam,
acaso, raciocinar sensatamente, se permaneciam fascinados pelo autoritarismo do mundo?
Oh! refletia o Mestre – como seria infeliz o dominador romano, a julgar-se efetivamente rei
para sempre, distraído da lição dura da morte! Como seria desventurado o Sumo Sacerdote, que supunha poder substituir o próprio Deus!... Sim, Jesus ensinaria aos seus seguidores a
sublime sabedoria do entendimento fraternal!
Tomado de confiante expectativa, voltou-se o Messias para o povo, dando a entender que
esperava as manifestações verbais dos amigos, e a multidão aproximou-se d’Ele, mais
intensamente.
Alguns apóstolos caminhavam à frente dos populares, em animada conversação.
– Rabi – exclamou o patriarca Matan, morador em Cafarnaum –, estamos cansados de
suportar injustiças. É tempo de tomarmos o governo, a liberdade e a autonomia. Os romanos
são pecadores devassos, em trânsito para o monturo. Estamos fartos! É preciso tomar o
poder!
Jesus escutou em silêncio, e, antes que pudesse dizer alguma coisa, Raquel, esposa de
Jeconias, reclamou asperamente :
– Rabi, não podemos tolerar os administradores sem consciência. Meu marido e meus filhos
são miseravelmente remunerados, nos servias de cada dia. Muitas vezes, não temos o
necessário para viver como os outros vivem.
Os filhos de Ana, nossa vizinha, adulam os funcionários romanos e, por esse motivo, andam
confortados e bem dispostos!...
– À revolução! à revolução! – clamava Esdras, um judeu de quarenta anos presumíveis, que
se acercou, desrespeitosamente, como adepto apaixonado, concitando o líder prudente a
manifestar-se.
– Rabi – suplicava um ancião de barbas encanecidas –, conheço os prepostos de César e os
infames servidores do Tetrarca. Se não modificarmos a direção do governo, passaremos
fome e privações...
Escutava o Senhor, profundamente condoído. Verificava, com infinita amargura, que
ninguém desejava o Reino de Deus de que se constituíra portador.
Durante longas horas, os membros da multidão recriminaram o imperador romano, atacaram
patrícios ilustres que nunca haviam visto de perto, condenaram os sacerdotes do Templo,
caluniaram autoridades ausentes, feriram reputações, invadiram assuntos que não lhes
pertenciam, acusaram companheiros e criticaram acerbamente as condições da vida e os
elemento atmosféricos...
Por fim, quando muito tempo se havia escoado, alguns discípulos vieram anunciar-lhe a fome
que castigava homens, mulheres e crianças. André e Filipe comentaram calorosamente a
situação. Jesus fitou-os de modo significativo, e respondeu, melancólico:
– Pudera! Há muitas horas não fazem outra coisa senão murmurar inutilmente!
Em seguida, espraiou o olhar através das centenas de pessoas que o acompanhavam, e
falou comovidamente:
– Tenho para todos o Pão do Céu, mas estão excessivamente preocupados com o estômago
para compreender-me.
E tomado de profunda piedade, ante a multidão ignorante, valeu-se dos pequenos pães de
que dispunha, abençoou-os e multiplicou-os, saciando a fome dos populares aflitos.
Enquanto os discípulos recolhiam o sobejo abundante, muitos galileus batiam com a mão
direita no ventre e afirmavam:
– Agora, sim! estamos satisfeitos!
Contemplou-os o Mestre, em silêncio, com angustiada tristeza, e, depois de alguns minutos,
entregou o povo aos discípulos e, segundo a narração evangélica, “tornou a retirar-se, ele só,
para o monte”.
Fonte: Livro Lázaro Redivivo, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito irmão X