01/05/2020

Olá!

Segue nosso estudo de sexta-feira às 19 hs.
Livro Ação e Reação - Capítulo 14 - Resgate interrompido




Leitura inicial:

Vida Feliz
46

Alimenta-te para viver, sem gulodice que leva o homem a viver para comer.
Morre-se mais de excesso ou alimentação irregular do que pela falta de pão.
O exagero e desperdício de uns respondem pela falta e escassez na mesa de outros.
O alimento é benção para a existência corporal, mas as complexas misturas e extravagantes apresentações constituem paixão injustificável ou vício pernicioso.
Usa o alimento com sabedoria e frugalidade, para viveres por longos anos com saúde ideal.

Fonte: Livro Vida Feliz, Divaldo Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis


Trecho do estudo: 


14
Resgate interrompido

Acompanhando o Assistente, passamos a cooperar na rearmonização de pequena família domiciliada em subúrbio de populosa capital.
Ildeu, o chefe da casa, homem que mal atingira a madureza física, pouco além dos trinta e cinco de idade, encontrara em Marcela a esposa abnegada e mãe de seus três filhinhos, Roberto, Sônia e Márcia; entretanto, seduzido pelos encantos da jovem Mara, moça leviana e inconsequente, tudo fazia para que a esposa o abandonasse.
Marcela, porém, educada na escola do Dever, dedicava-se ao lar e tudo fazia para não deixar perceber a própria dor.
Pelos gestos rudes e pela deplorável conduta em casa, não desconhecia a modificação do pai de seus filhos, e, recebendo cartas insultuosas da rival que lhe disputava o companheiro, sabia chorar em silêncio, confiando-as ao fogo para que não caíssem sob o olhar do esposo.
Doía-nos, cada noite, vê-la em prece, ao lado das criancinhas.
Roberto, o primogênito, com nove anos de idade, acariciava-lhe a cabeça, adivinhando-lhe os soluços imobilizados na garganta, e as duas pequeninas, na inconsciência infantil, repetiam maquinalmente as orações ditadas pela nobre senhora, oferecendo-as a Jesus, em favor do “papai”.
Em atormentada vigília até noite alta, agoniava-se-lhe o espírito, observando Ildeu, estroina, alcançando o lar, tresandando a licores alcoólicos e exibindo os sinais de aventuras inconfessáveis.
Se erguia a voz, lembrando alguma necessidade dos meninos retorquia ele, irritado:
– Vida infame! Sempre você a recriminar-me, a aborrecer-me, a perseguir-me com censuras e petitórios!... Se quiser dinheiro, trabalhe. Se eu soubesse que o casamento seria isso, teria preferido estourar os miolos a assinar um contrato que me escraviza a existência inteira! . . .
E gritando, intemperante, mostrava-nos a tela das suas recordações, em que Mara, a jovem sedutora, lhe surgia à mente, como sendo a mulher ideal. Cotejava-a com a esmaecida figura da esposa que as dificuldades acabrunhavam e, governado pela imagem da outra, entregava-se a chocantes excitações, ansiando fugir do lar.
Marcela, em pranto, suplicava-lhe tolerância e serenidade, acentuando que não desdenhava o serviço.
Despendia o tempo de que dispunha na cooperação mal remunerada, em favor de lavanderia modesta, contudo, os afazeres domésticos não lhe permitiam fazer mais.
– Hipócrita! – berrava o marido que a cólera transtornava – e eu? que pretende você de mim? posso, acaso, fazer mais? sou um homem dependurado em lojas e armazéns... Devo a todos!... por sua causa, simplesmente em razão do seu desperdício... Não sei até quando poderei aturá-la. Não será mais aconselhável regresse você à terra que teve a infelicidade de vê-la nascer? Seus pais estão vivos...
A pobre criatura em lágrimas emudecia, mas, sendo a voz dele estentórica, quase sempre o pequeno Roberto acordava e acorria em socorro da mãezinha, enlaçando-a, estremunhado.
Ildeu avançava sobre o miúdo interventor a sopapos, clamando com insofreável revolta:
– Saia daqui! saia daqui!...
E qual se o petiz lhe não fora filho mas adversário confesso, acrescentava, cerrando os punhos:
– Tenho gana de matá-lo! . . . matá-lo! . . . Todas as noites, esta mesma pantomima. Bandido! Palhaço!...
E o menino, agarrado ao colo materno, sofria pancadas até recolher-se, de novo, ao leito, em pranto convulsivo.
Entretanto, se as filhinhas choramingassem, eis que o genitor se desfazia em ternura, ainda mesmo quando plenamente embriagado, proferindo, bondoso:
– Minhas filhas!... minhas pobres filhas!... que será de vocês no futuro? é por vocês que ainda me encontro aqui, tolerando a cruz desta casa!...
E, não raro, ele próprio ia reacomodá-las no berço.
Silas e nós entrávamos em ação, a benefício de Marcela e dos filhinhos.
Do atormentado lar, ameaçado de completa destruição, demandávamos outros setores de serviço, sem que o Assistente encontrasse oportunidade de administrar-nos esclarecimentos mais amplos.
Todavia, quase que diariamente, à noite ali aplicávamos alguns minutos em tarefas que nos falavam aos refolhos do coração.
Contudo, apesar de nosso esforço, o chefe da família mostrava-se, cada dia, mais indiferente e distante.
Enfadado e irritadiço, não concedia à esposa nem mesmo a gentileza de leve saudação. Fascinado pela outra, passara a odiá-la. Pretendia desobrigar-se do compromisso assumido e trilhar nova senda...
No entanto, como atender ao problema do amor às pequeninas?
– “Sinceramente – pensava de si para consigo – não amava a Roberto, o filho cujo olhar o acusava sem palavras, lançando-lhe em rosto o censurável procedimento, mas adorava Sônia e Márcia, com desvelada ternura... Como ausentar-se delas no desquite provável? Decerto, a companheira teria assegurados, perante a lei, os direitos de mãe... Senhora de nobre conduta, Marcela contaria com o favor da Justiça...”
Refletia, refletia...
Ainda assim, não renunciava ao carinho de Mara, cuja dominação lhe empolgava o sentimento enfermiço.
Fosse onde fosse, registrava-lhe a influência sutil, a desfibrar-lhe o caráter e a dobrar-lhe a cerviz de homem que, até encontrá-la, fora honrado e feliz.
Por vezes, tentava subtrair-se-lhe ao jugo, mas debalde.
Marcela apresentava o semblante da disciplina que lhe competia observar e da obrigação que lhe cabia cumprir, quando Mara, de olhos em fogo, lhe acenava à liberdade e ao prazer.
Foi assim que lhe nasceu no cérebro doentio uma ideia sinistra: assassinar a esposa, escondendo o próprio crime, para que a morte dela aos olhos do mundo passasse como sendo autêntico suicídio.
Para isso alteraria o roteiro doméstico.
Procuraria abolir o regime de incompreensão sistemática, daria tréguas à irritação que o senhoreava e fingiria ternura para ganhar confiança... E, depois de alguns dias, quando Marcela dormisse, despreocupada, desfechar-lhe-ia uma bala no coração, despistando a própria polícia.
Acompanhamos-lhe a evolução do tresloucado plano, porquanto é sempre fácil penetrar o domínio das formas pensamentos, vagarosamente construídas pelas criaturas que as edificam, apaixonadas e persistentes, em torno dos próprios passos.
Na aparente calmaria que sustentava, Ildeu, embora sorrisse, exteriorizava ao nosso olhar o inconfessável projeto, armando mentalmente o quadro criminoso, detalhe por detalhe.
Para defender Marcela, porém, cuja existência era amparada pela Mansão que representávamos, o Assistente reforçou na casa o serviço de vigilância.
Dois companheiros nossos, zelosos e abnegados, alternativamente ali passaram a velar, dia e noite, de modo a entravar o pavoroso delito.