23/04/2020

Olá amigos!
Ouçam abaixo um trecho do livro Contos Desta e Doutra Vida




29 - O ESCRIBA INCRÉDULO

Descansava Jesus em casa de Igorin, o curtidor, no vilarejo de Dalmanuta, quando Joab, escriba em Cesareia, partiu à procura dele, em companhia de Zebedeu, pai de Tiago e João, que lhe devotava imensa estima. 

Enquanto caminhava, depois de largada a barca, o amigo da cidade, que jamais contemplara o Doce Nazareno, falava compungido de mágoas que sofrera. Sentia-se doente, em suprema revolta. 

Desejava escutar o verbo do Senhor para certificar-se quanto à própria conduta. 

Dizia-se crivado de injustiça e calúnia. 

Permutavam, assim, impressões espontâneas e afetuosas quando o lar de Igorin lhes surgiu pela frente, ao longe.

Ao redor do tugúrio, congregavam-se enfermos, avultando, entre eles, um homem maduro e esbelto a gritar, estentórico, e que, guardado à pressa, excluiu-se do quadro, desafiando, assim, a curiosidade de ambos os viajores. 

No átrio da casa pobre, indaga Zebedeu de uma velha aleijada quem era aquele mísero, e informa-lhe a anciã que se tratava de um louco infeliz à procura do Mestre. 

Nisso, Tiago e Pedro aparecem de chofre e dizem que Jesus pretendia ausentar-se para a prece nos montes. 

Joab, ouvindo isto, penetra sozinho pela casa, e encontra em quarto humilde o Cristo generoso, meditando em silêncio.

 -Mestre! –clama, chorando, depois de confortado às saudações primeiras – tenho o peito dorido e o pensamento em fogo, humilhado que estou por injúrias atrozes. Feriram-me, Senhor, enodoando-me o nome e furtando-me o pão... Que fazer ante o mal que me ataca, insolente? de que modo portar-me, perante os inimigos que me cobrem de lodo? 

-Perdoa, filho meu! –disse o Amigo Celeste.

-Senhor, como esquecer malfeitores e ingratos?

-Anotando-lhes sempre a condição de enfermos. 

-Enfermos? como assim, se perseguem matando?

-Não procederiam desse modo se não fossem dementes. 

-Mestre – insistiu Joab -, convém esclarecer que os meus adversários são ladrões perigosos... 

-São, pois, mais infelizes... 

-Infelizes porque? se tem casas faustosas e terras florescentes? 

-Todavia, amanhã descerão ao sepulcro, abandonando o furto a mãos que desconhecem... 

-Entretanto, Senhor, sem qualquer razão justa, eles querem prender-me. 

-Não importa, meu filho, pois todo delinqüente está preso em si mesmo às algemas da treva. 

-Mestre! Mestre! Ainda assim, espreitam-me igualmente em tocaia sinistra, prelibando-me a morte, todos eles armados de punhais assassinos!... 

-Perdoa e ora por eles – disse o Cristo, sereno -, porque é da Eterna Lei que a justiça se faça... Todo aquele que fere será também ferido... 

O escriba, em desespero, ajuntou lacrimoso:

 -Senhor, estou sozinho, despojado de tudo... Iludiram-me a esposa e roubaram-me os filhos... Acusado sem culpa, o cárcere me espera; venerei sempre as leis, guardando-lhes os princípios e toda a minha dor nasce da sombra hostil da infâmia que me cerca! Que fazer, Benfeitor, ante as garras da lama? 

-Filho, perdoa sempre, olvida todo mal e faze todo o bem, porque somente o bem é luz que não se apaga... 

Incapaz de conter o assombro que o traía, Joab esgueirou-se de soslaio, perguntando lá fora aos amigos surpresos: 

-Dizei-me, por favor, onde acharei o Mestre Jesus? quero Jesus para ouvir-lhe a palavra!... O escriba renitente conservava a impressão de ter ouvido o louco que avistara ao chegar àquela casa, e não o próprio Cristo... 

Fonte: Contos Desta e Doutra Vida, Framcisco Candido Xavier, pelo Espírito Irmão X