A Gênese
Caráter da
Revelação Espírita – 24 a 49
24. Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas e
o objetivo de todos os cultos, o caráter de todas as religiões é conforme à
ideia que elas dão de Deus. As religiões que fazem de Deus um ser vingativo e
cruel julgam honrá-lo com atos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que
têm um Deus parcial e cioso são intolerantes e mais ou menos meticulosas na
forma, por crerem-no mais ou menos contaminado das fraquezas e ninharias
humanas.
25. Toda a doutrina do Cristo se funda no caráter
que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e
misericordioso, ele fez do amor de Deus e da caridade para com o próximo a
condição indeclinável da salvação, dizendo: Amai a Deus sobre todas as coisas e
o vosso próximo como a vós mesmos; nisto estão toda a lei e os profetas; não
existe outra lei. Sobre esta crença, assentou o princípio da igualdade dos
homens perante Deus e o da fraternidade universal. Mas, fora possível amar
o Deus de Moisés? Não; só se podia temê-lo.
A revelação dos verdadeiros atributos da Divindade, de
par com a da imortalidade da alma e da vida futura, modificava profundamente as
relações mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações, fazia-os encarar a
vida presente sob outro aspecto e tinha, por isso mesmo, de reagir contra os
costumes e as relações sociais. É esse incontestavelmente, por suas
conseqüências, o ponto capital da revelação do Cristo, cuja importância não foi
compreendida suficientemente e, contrista dizê-lo, é também o ponto de que mais
a Humanidade se tem afastado, que mais há desconhecido na interpretação dos
seus ensinos.
26. Entretanto, o Cristo acrescenta: “Muitas das
coisas que vos digo ainda não as compreendeis e muitas outras teria a dizer,
que não compreenderíeis; por isso é que vos falo por parábolas; mais tarde,
porém, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá
todas as coisas e vo-las explicará todas.” (S. João, 14,16; S. Mateus, 17.)
Se o Cristo não disse tudo quanto poderia dizer, é que
julgou conveniente deixar certas verdades na sombra, até que os homens
chegassem ao estado de compreendê-las. Como ele próprio o confessou, seu ensino
era incompleto, pois anunciava a vinda daquele que o completaria; previra,
pois, que suas palavras não seriam bem interpretadas, e que os homens se
desviariam do seu ensino; em suma, que desfariam o que ele fez, uma vez que
todas as coisas hão de ser restabelecidas: ora, só se restabelece aquilo que
foi desfeito.
27. Por que chama ele Consolador ao novo messias? Este
nome, significativo e sem ambiguidade, encerra toda uma revelação. Assim, ele
previa que os homens teriam necessidade de consolações, o que implica a
insuficiência daquelas que eles achariam na crença que iam fundar. Talvez nunca
o Cristo fosse tão claro, tão explícito, como nestas últimas palavras, às quais
poucas pessoas deram atenção bastante, provavelmente porque evitaram
esclarecê-las e aprofundar-lhes o sentido profético.
28. Se o Cristo não pôde desenvolver o seu ensino
de maneira completa, é que faltavam aos homens conhecimentos que eles só podiam
adquirir com o tempo e sem os quais não o compreenderiam; há muitas coisas que
teriam parecido absurdas no estado dos conhecimentos de então. Completar o
seu ensino deve entender-se no sentido de explicar e desenvolver, não no de
ajuntar-lhe verdades novas, porque tudo nele se encontra em estado de gérmen,
faltando-lhe só a chave para se apreender o sentido das palavras.
29. Mas, quem toma a liberdade de interpretar as
Escrituras Sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui as necessárias luzes,
senão os teólogos? Quem o ousa? Primeiro, a Ciência, que a ninguém
pede permissão para dar a conhecer as leis da Natureza e que salta sobre os
erros e os preconceitos. –– Quem tem esse direito? Neste século de emancipação
intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame pertence a todos
e as Escrituras não são mais a arca santa na qual ninguém se atreveria a tocar
com a ponta do dedo, sem correr o risco de ser fulminado. Quanto às luzes
especiais, necessárias, sem contestar as dos teólogos, por mais esclarecidos
que fossem os da Idade Média, e, em particular, os Pais da Igreja, eles,
contudo, não o eram bastante para não condenarem como heresia o movimento da
Terra e a crença nos antípodas. Mesmo sem ir tão longe, os teólogos dos nossos
dias não lançaram anátema à teoria dos períodos de formação da Terra?
Os homens só puderam explicar as Escrituras com o
auxílio do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as
leis da Natureza, mais tarde reveladas pela Ciência. Eis por que os próprios
teólogos, de muito boa-fé, se enganaram sobre o sentido de certas palavras e
fatos do Evangelho. Querendo a todo custo encontrar nele a confirmação de uma
ideia preconcebida, giraram sempre no mesmo círculo, sem abandonar o seu ponto
de vista, de modo que só viam o que queriam ver. Por muito instruídos que
fossem, eles não podiam compreender causas dependentes de leis que lhes eram
desconhecidas.
Mas, quem julgará das interpretações diversas e muitas
vezes contraditórias, fora do campo da teologia? O futuro, a lógica e o
bom-senso. Os homens, cada vez mais
esclarecidos, à medida que novos fatos e novas leis se forem revelando, saberão
separar da realidade os sistemas utópicos. Ora, as ciências tornam
conhecidas algumas leis; o Espiritismo revela outras; todas são indispensáveis
à inteligência dos Textos Sagrados de todas as religiões, desde Confúcio e Buda
até o Cristianismo. Quanto à teologia, essa não poderá judiciosamente
alegar contradições da Ciência, visto como também ela nem sempre está de acordo
consigo mesma.
30. O Espiritismo, partindo das próprias
palavras do Cristo, como este partiu das de Moisés, é conseqüência direta da
sua doutrina. À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da
existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço, e com isso
precisa a crença, dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade à ideia.
Define os laços que unem a alma ao corpo e levanta o véu que ocultava aos
homens os mistérios do nascimento e da morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe
donde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que sofre temporariamente
e vê por toda parte a justiça de Deus.
Sabe que a alma progride incessantemente, através de
uma série de existências sucessivas, até atingir o grau de perfeição que a
aproxima de Deus. Sabe que todas as
almas, tendo um mesmo ponto de origem, são criadas iguais, com idêntica aptidão
para progredir, em virtude do seu livre-arbítrio; que todas são da mesma
essência e que não há entre elas diferença, senão quanto ao progresso
realizado; que todas têm o mesmo destino e alcançarão a mesma meta, mais ou
menos rapidamente, pelo trabalho e boa vontade. Sabe que não há criaturas
deserdadas, nem mais favorecidas umas do que outras; que Deus a nenhuma criou privilegiada
e dispensada do trabalho imposto às outras para progredirem; que não há seres
perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os que se designam pelo nome
de demônios são Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal no
espaço, como o praticavam na Terra, mas que se adiantarão e aperfeiçoarão; que
os anjos ou Espíritos puros não são seres à parte na criação, mas Espíritos que
chegaram à meta, depois de terem percorrido a estrada do progresso; que, por
essa forma, não há criações múltiplas, nem diferentes categorias entre os seres
inteligentes, mas que toda a criação deriva da grande lei de unidade que rege o
Universo e que todos os seres gravitam para um fim comum que é a perfeição, sem
que uns sejam favorecidos à custa de outros, visto serem todos filhos das suas
próprias obras.
31. Pelas relações que hoje pode estabelecer com
aqueles que deixaram a Terra, possui o homem não só a prova material da
existência e da individualidade da alma, como também compreende a solidariedade
que liga os vivos aos mortos deste mundo e os deste mundo aos dos outros
planetas. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos, acompanha-os em
suas migrações, aprecia-lhes as alegrias e as penas; sabe a razão por que são
felizes ou infelizes e a sorte que lhes está reservada, conforme o bem ou o mal
que fizerem. Essas relações iniciam o homem na vida futura, que ele pode
observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é
uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza matemática. Desde então, a
morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a libertação, a porta da
verdadeira vida.
32. Pelo estudo da situação dos Espíritos, o homem
sabe que a felicidade e a desdita, na vida espiritual, são inerentes ao grau de
perfeição e de imperfeição; que cada qual sofre as conseqüências diretas e
naturais de suas faltas, ou, por outra, que é punido no que pecou; que essas
conseqüências duram tanto quanto a causa que as produziu; que, por conseguinte,
o culpado sofreria eternamente, se persistisse no mal, mas que o sofrimento
cessa com o arrependimento e a reparação; ora, como depende de cada um o seu
aperfeiçoamento, todos podem, em virtude do livre-arbítrio, prolongar ou
abreviar seus sofrimentos, como o doente sofre, pelos seus excessos, enquanto
não lhes põe termo.
33. Se a razão repele, como incompatível com a bondade
de Deus, a ideia das penas irremissíveis, perpétuas e absolutas, muitas vezes
infligidas por uma única falta; a dos suplícios do inferno, que não podem ser
minorados nem sequer pelo arrependimento mais ardente e mais sincero, a mesma
razão se inclina diante dessa justiça distributiva e imparcial, que leva tudo
em conta, que nunca fecha a porta ao arrependimento e estende constantemente a
mão ao náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.
34. A pluralidade das existências, cujo princípio o
Cristo estabeleceu no Evangelho, sem todavia defini-lo como a muitos outros, é
uma das mais importantes leis reveladas pelo Espiritismo, pois que lhe
demonstra a realidade e a necessidade para o progresso. Com esta lei, o
homem explica todas as aparentes anomalias da vida humana; as diferenças de
posição social; as mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis
à alma as existências breves; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais,
pela ancianidade do Espírito que mais ou menos aprendeu e progrediu, e traz,
nascendo, o que adquiriu em suas existências anteriores (nº 5).
35. Com a doutrina da criação da alma no instante do
nascimento, vem-se a cair no sistema das criações privilegiadas; os homens são
estranhos uns aos outros, nada os liga, os laços de família são puramente
carnais; não são de nenhum modo solidários com um passado em que não existiam;
com a doutrina do nada após a morte, todas as relações cessam com a vida; os
seres humanos não são solidários no futuro. Pela reencarnação, são solidários
no passado e no futuro e, como as suas relações se perpetuam, tanto no mundo
espiritual como no corporal, a fraternidade tem por base as próprias leis da
Natureza; o bem tem um objetivo e o mal conseqüências inevitáveis.
36. Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos
de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre,
capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou
mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e
da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que
prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação
funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda
na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da
liberdade.
37. Tirai ao homem o espírito livre e independente,
sobrevivente à matéria, e fareis dele uma simples máquina organizada, sem
finalidade, nem responsabilidade; sem outro freio além da lei civil e própria a
ser explorada como um animal inteligente. Nada esperando depois da morte,
nada obsta a que aumente os gozos do presente; se sofre, só tem a perspectiva
do desespero e o nada como refúgio. Com a certeza do futuro, com a de encontrar
de novo aqueles a quem amou e com o temor de tornar a ver aqueles a quem
ofendeu, todas as suas ideias mudam. O Espiritismo, ainda que só fizesse forrar
o homem à dúvida relativamente à vida futura, teria feito mais pelo seu
aperfeiçoamento moral do que todas as leis disciplinares, que o detêm algumas
vezes, mas que o não transformam.
38. Sem a preexistência da alma, a doutrina do
pecado original não seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que
tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um
contrassenso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma
não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade
remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas
imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos
instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu
verdadeiro pecado original, cujas conseqüências naturalmente sofre, mas com a
diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de
outrem; e com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e
soberanamente equitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se
redimir pela reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma
imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que,
suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver
exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada.
Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente
traz, ao renascer, qualidades naturais, como o que progrediu intelectualmente
traz ideias inatas; identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo
e, por assim dizer, sem pensar. Aquele que é obrigado a combater as suas más
tendências vive ainda em luta; o primeiro já venceu, o segundo procura vencer.
Existe, pois, a virtude original, como existe o saber original, e o pecado ou,
antes, o vício original.
39. O Espiritismo experimental estudou as propriedades
dos fluidos espirituais e a ação deles sobre a matéria. Demonstrou a existência
do perispírito, suspeitado desde a antiguidade e designado por S. Paulo sob o
nome de corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma, depois da destruição
do corpo tangível. Sabe-se hoje que esse invólucro é inseparável da alma, forma
um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo da transmissão do
pensamento e, durante a vida do corpo, serve de laço entre o Espírito e a
matéria. O perispírito representa importantíssimo papel no organismo e numa
multidão de afecções, que se ligam à fisiologia, assim como à psicologia.
40. O estudo das propriedades do perispírito, dos
fluidos espirituais e dos atributos fisiológicos da alma abre novos horizontes
à Ciência e dá a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos até então,
por falta de conhecimento da lei que os rege — fenômenos negados pelo
materialismo, por se prenderem à espiritualidade, e qualificados como milagres
ou sortilégios por outras crenças. Tais são, entre muitos, os fenômenos da
vista dupla, da visão a distância, do sonambulismo natural e artificial, dos
efeitos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência, dos
pressentimentos, das aparições, das transfigurações, da transmissão do
pensamento, da fascinação, das curas instantâneas, das obsessões e possessões,
etc. Demonstrando que esses fenômenos repousam em leis naturais, como os
fenômenos elétricos, e em que condições normais se podem reproduzir, o
Espiritismo derroca o império do maravilhoso e do sobrenatural e,
conseguintemente, a fonte da maior parte das superstições. Se faz se creia na
possibilidade de certas coisas consideradas por alguns como quiméricas, também
impede que se creia em muitas outras, das quais ele demonstra a impossibilidade
e a irracionalidade.
41. O Espiritismo, longe de negar ou destruir o
Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas
leis da Natureza, que revela, tudo quanto o Cristo disse e fez; elucida os
pontos obscuros do ensino cristão, de tal sorte que aqueles para quem eram
ininteligíveis certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as
compreendem e admitem, sem dificuldade, com o auxílio desta doutrina; veem melhor
o seu alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria; o Cristo lhes
parece maior: já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino.
42. Demais, se se considerar o poder moralizador do
Espiritismo, pela finalidade que assina a todas as ações da vida, por tornar
quase tangíveis as conseqüências do bem e do mal, pela força moral, a coragem e
as consolações que dá nas aflições, mediante inalterável confiança no futuro,
pela ideia de ter cada um perto de si os seres a quem amou, a certeza de os
rever, a possibilidade de confabular com eles; enfim, pela certeza de que tudo
quanto se fez, quanto se adquiriu em inteligência, sabedoria, moralidade, até à
última hora da vida, não fica perdido, que tudo aproveita ao adiantamento do
Espírito, reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a
respeito do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside
ao grande movimento da regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa
forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador. *
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* Muitos pais deploram a morte prematura dos filhos,
para cuja educação fizeram grandes sacrifícios, e dizem consigo mesmos que tudo
foi em pura perda. À luz do Espiritismo, porém, não lamentam esses sacrifícios
e estariam prontos a fazê-los, mesmo tendo a certeza de que veriam morrer seus
filhos, porque sabem que se estes não a aproveitam na vida presente, essa
educação servirá, primeiro que tudo, para o seu adiantamento espiritual; e,
mais, que serão aquisições novas para outra existência e que, quando voltarem a
este mundo, terão um patrimônio intelectual que os tornará mais aptos a
adquirirem novos conhecimentos. Tais essas crianças que trazem, ao nascer,
ideias inatas — que sabem, por assim dizer, sem precisarem aprender. Se os pais
não têm a satisfação imediata de ver os filhos aproveitarem da educação que
lhes deram, gozá-la-ão certamente mais tarde, quer como Espíritos, quer como
homens. Talvez sejam eles de novo os pais desses mesmos filhos, que se apontam
como afortunadamente dotados pela natureza e que devem as suas aptidões a uma
educação precedente; assim também, se os filhos se desviam para o mal, pela
negligência dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde desgostos e pesares
que àqueles suscitarão em nova existência. (O Evangelho segundo o Espiritismo,
cap. V, nº 21; “Mortes prematuras”.)
43. Se a estes resultados adicionarmos a rapidez
prodigiosa da propagação do Espiritismo, apesar de tudo quanto fazem por
abatê-lo, não se poderá negar que a sua vinda seja providencial, visto como ele
triunfa de todas as forças e de toda a má vontade dos homens. A facilidade com
que é aceito por grande número de pessoas, sem constrangimento, apenas pelo
poder da ideia, prova que ele corresponde a uma necessidade, qual a de crer o
homem em alguma coisa para encher o vácuo aberto pela incredulidade e que, portanto,
veio no momento preciso.
44. São em grande número os aflitos; não é, pois, de
admirar que tanta gente acolha uma doutrina que consola, de preferência às que
desesperam, porque aos deserdados, mais do que aos felizes do mundo, é que o
Espiritismo se dirige. O doente vê chegar o médico com maior satisfação do que
aquele que está bem de saúde; ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o
médico.
Vós que combateis o Espiritismo, se quereis que o
abandonemos para vos seguir, dai-nos mais e melhor do que ele; curai com maior
segurança as feridas da alma. Dai mais consolações, mais satisfações ao
coração, esperanças mais legítimas, maiores certezas; fazei do futuro um quadro
mais racional, mais sedutor; porém, não julgueis vencê-lo com a perspectiva do
nada, com a alternativa das chamas do inferno, ou com a inútil contemplação
perpétua.
45. A primeira revelação teve a sua personificação em
Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem em indivíduo algum. As duas
primeiras foram individuais, a terceira coletiva; aí está um caráter essencial
de grande importância. Ela é coletiva no sentido de não ser feita ou dada como
privilégio a pessoa alguma; ninguém, por conseqüência, pode inculcar-se como
seu profeta exclusivo; foi espalhada simultaneamente, por sobre a Terra, a
milhões de pessoas, de todas as idades e condições, desde a mais baixa até a
mais alta da escala, conforme esta predição registrada pelo autor dos Atos dos
Apóstolos: “Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei o meu espírito
sobre toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, os mancebos terão
visões, e os velhos, sonhos.” (Atos, 2:17-18.) Ela não proveio de nenhum
culto especial, a fim de servir um dia, a todos, de ponto de ligação.*
_______________
* O nosso
papel pessoal, no grande movimento de ideias que se prepara pelo Espiritismo e
que começa a operar-se, é o de um observador atento, que estuda os fatos para
lhes descobrir a causa e tirar-lhes as conseqüências. Confrontamos todos os que
nos têm sido possível reunir, comparamos e comentamos as instruções dadas pelos
Espíritos em todos os pontos do globo e depois coordenamos metodicamente o
conjunto; em suma, estudamos e demos ao público o fruto das nossas indagações,
sem atribuirmos aos nossos trabalhos valor maior do que o de uma obra
filosófica deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos considerarmos
chefe da doutrina, nem procurarmos impor as nossas ideias a quem quer que seja.
Publicando-as, usamos de um direito comum e aqueles que as aceitaram o fizeram
livremente. Se essas ideias acharam numerosas simpatias, é porque tiveram a
vantagem de corresponder às aspirações de avultado número de criaturas, mas
disso não colhemos vaidade alguma, dado que a sua origem não nos pertence. O
nosso maior mérito é a perseverança e a dedicação à causa que abraçamos. Em
tudo isso, fizemos o que outro qualquer poderia ter feito como nós, razão pela
qual nunca tivemos a pretensão de nos julgarmos profeta ou messias, nem, ainda
menos, de nos apresentarmos como tal.
46. As duas primeiras revelações, sendo fruto do
ensino pessoal, ficaram forçosamente localizadas, isto é, apareceram num só
ponto, em torno do qual a ideia se propagou pouco a pouco; mas, foram precisos
muitos séculos para que atingissem as extremidades do mundo, sem mesmo o
invadirem inteiramente A terceira tem isto de particular: não estando
personificada em um só indivíduo, surgiu simultaneamente em milhares de pontos
diferentes, que se tornaram centros ou focos de irradiação.
Multiplicando-se esses centros, seus raios se reúnem pouco a pouco, como os
círculos formados por uma multidão de pedras lançadas na água, de tal sorte
que, em dado tempo, acabarão por cobrir toda a superfície do globo.
Essa uma das causas da rápida propagação da doutrina.
Se ela tivesse surgido num só ponto, se fosse obra exclusiva de um homem,
houvera formado seitas em torno dela; e talvez decorresse meio século sem que
ela atingisse os limites do país onde começara, ao passo que, após dez anos, já
estende raízes de um polo a outro.
47. Esta circunstância, inaudita na história das
doutrinas, lhe dá força excepcional e irresistível poder de ação; de fato, se a
perseguirem num ponto, em determinado país, será materialmente impossível que a
persigam em toda parte e em todos os países. Em contraposição a um lugar onde
lhe embaracem a marcha, haverá mil outros em que florescerá. Ainda mais: se a
ferirem num indivíduo, não poderão feri-la nos Espíritos, que são a fonte donde
ela promana. Ora, como os Espíritos estão em toda parte e existirão sempre, se,
por um acaso impossível, conseguissem sufocá-la em todo o globo, ela
reapareceria pouco tempo depois, porque repousa sobre um fato que está na
Natureza e não se podem suprimir as leis da Natureza. Eis aí o de que se devem
persuadir aqueles que sonham com o aniquilamento do Espiritismo. (Revista
Espírita, fev. 1865, pág. 38: “Da Perpetuidade do Espiritismo”.)
48. Entretanto, disseminados os centros, poderiam
ainda permanecer por muito tempo isolados uns dos outros, confinados como estão
alguns em países longínquos. Faltava entre eles uma ligação, que os pusesse em
comunhão de ideias com seus irmãos em crença, informando-os do que se fazia
algures. Esse traço de união, que na antigüidade teria faltado ao Espiritismo,
hoje existe nas publicações que vão a toda parte, condensando, sob uma forma
única, concisa e metódica, o ensino dado universalmente sob formas múltiplas e
nas diversas línguas.
49. As duas primeiras revelações só podiam resultar de
um ensino direto; como os homens não estivessem ainda bastante adiantados a fim
de concorrerem para a sua elaboração, elas tinham que ser impostas pela fé, sob
a autoridade da palavra do Mestre.
Contudo, notam-se entre as duas bem sensível
diferença, devida ao progresso dos costumes e das ideias, se bem que feitas ao
mesmo povo e no mesmo meio, mas com dezoito séculos de intervalo. A doutrina de
Moisés é absoluta, despótica; não admite discussão e se impõe ao povo pela
força. A de Jesus é essencialmente conselheira; é livremente aceita e só se
impõe pela persuasão; foi controvertida desde o tempo do seu fundador, que não
desdenhava de discutir com os seus adversários.